sábado, 11 de maio de 2013

Um único tom de laranja

Neon. Assim é a capa de Toda Poesia, a compilação "definitiva" da obra de Paulo Leminski. A capa obviamente nos chama atenção, mas o tesouro que ela guarda é mais discreto e singelo: trata-se da mais fina poesia. 

Leminski é daqueles poetas que habitam o inconsciente cultural brasileiro. Não há filho deste solo que nunca tenha lido ou ouvido "A vida é bela, basta apenas olhar pela janela". Leminski faz parte da nossa bagagem tal como o fazem: versos do hino nacional, citações populares de Clarice, trechos de canções de Tim. Mas a obra de Leminski vai infinitamente além do que os clichês alcançam. É de uma sensibilidade e simplicidade que causam frisson. Não é à toa que tal antologia tenha sido capaz de superar as vendas de 50 tons de cinza, trilogia que fez um sucesso estrondoso por aqui. Paulo, em seus versos, faz poesia sobre amor, sobre metafísicas, sobre questionamentos humanos tão inevitáveis como a própria existência.

Publicado neste ano de 2013, o livro está nas vitrines de diversas livrarias custando em torno de R$30. Belíssimamente editado pela Companhia das Letras, torna quase palpável a tão concreta poesia de Leminski. São mais de 390 páginas de poesia colhida madura do pé, além de uma apresentação de Alice Ruiz, poetisa e esposa de Paulo; um apêndice com comentários sobre Paulo escritos por figuras como Caetano Veloso, a própria Alice Ruiz e o próprio Paulo Leminski; e um índice de primeiros versos (muito útil, já que rara vez os poemas de Leminski acompanham títulos). Destaque para o comentário tecido por Leyla Perrone-Moisés, entitulado "Leminski, o samurai malandro", do qual não posso evitar transcrever pelo menos esse trecho: "Leminski já foi e já voltou, e quem não percebe a inteireza de suas meias palavras ainda nem saiu de casa". 

Leminski é, sem dúvidas, um ourives da linguagem, como o tentavam ser os poetas paransianos, mas sem a pretensão de sê-lo, o que, em minha humilde opinião, o torna muito mais poeta do que muitos dos ditos poetas aclamados por aí. O cara brinca de fazer poesia, mas brinca sabendo que brincar é coisa séria, e nos deixa de herança viagens pelos mundos do amor, da incoerência, do concreto e do zen.

É possível enxergar as figuras que o autor cria quando se propõe a ser concreto, cimento, palpável.

"aqui

nessa pedra
alguém sentou
olhando o mar

o mar 
não parou 
pra ser olhado

foi mar 
pra tudo quanto é lado"
 

(Não sei quanto aos demais, mas a mim chega até o cheiro da maresia depois de devorar os versos acima).

Além de tudo, o curitibano possui uma humildade que só o torna ainda mais admirável. Leminski deixa claro que para se fazer poesia, bem como para a felicidade, não se necessita muito. 

"inverno
primavera
poeta é quem
se considera"

-

"(...) nada tão duro
que não possa dizer
           posso"

O poeta é como criança, parece brincar o tempo inteiro. Mas escolheu a linguagem para brincar.

"(...) ali
bem ali
dentro da alice
só alice
com alice
ali se parece"

-

 "sol-te"

-

"se 
nem
for 
terra

se
trans
for 
mar"

Transparece, apesar da grandeza de seu talento, uma certa insegurança que, há quem diga, é inerente ao bom artista.

"eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito

eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões

em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois"

-

"(...) vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia"

Para não se dizer que ele só faz poemas curtos, "a lua no cinema":

"A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas, que, quando apagam,
ninguém ia dizer, que pena"

Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!"

E pra finalizar, um poema que foi musicado apresentado pela Zélia Duncan no Música de Bolso, misturando em um vídeo só três paixonites minhas:


(Também vale a pena conferir UTI e Oração de um suicida).

Faixa preta no judô, o poeta-crítico-professor ocupa um lugar de honra na literatura. Como não fosse o bastante, Paulo escreveu diversos ensaios. Dentre eles, um sobre Poe (disponível aqui), o que, por si só, já seria o bastante para me fazer simpatizar com ele. Ao mesmo tempo tempo, Poe ser merecedor de um ensaio de Leminski também me dá mais gana de ler Poe. Aproveitando o ensejo, registro aqui que foi com muito gosto que escrevi a presente humilde resenha sobre a obra de Leminski, e que devo postar um trabalho que fiz há algum tempo sobre o maldito poeta d'O Corvo. Ai, deuses da poesia. Lerescrever é bom demais da conta!

incenso fosse música
"isso de querer
ser exatamente o que a gente é
ainda vai nos levar além"

Depois de tanta poesia, nem precisa de beijo, né?
Luísa Zanni

2 comentários:

  1. Ai fiquei com vontade de ler, ouvi a música mil vezes já!
    Curti!

    Beijos

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  2. Eu nunca fui muito ligada nele, mas seu post me deixou louca por Leminski. E pelo livro ♥

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Obrigada pelo comentário! Vou ler, e depois publico e respondo, ta?