terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

sem título #3

"Os milagres estão todos em coma"
- O Teatro Mágico 


Milagre
Me largo
Me largas

Mil acres na boca no lugar do teu beijo
Mil agrestes no corpo ao invés do teu peso
Mil ares pesando pra não me deixar leve
Mil aves ao chão com seu vôo em greve

Mil motivos pra ficar
Uma dor que me faz ir
Mil lágrimas...

Milagre?
Só no sonho, porque creio
Então eu sonho...
E de noite ainda te tenho.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Campos florescendo

Deixa-me lançar fora a máscara,
Que aí então serei eu pura.
Agora sim me invade a leveza necessária
E eu já posso levantar vôo.

Por sobre o mundo vejo um outro
Enquanto escrevo sem pretensão,
Sem raciocínio.

Me ocorre pedir aos deuses que quando chegue a hora de deixar papel e caneta para submeter-me à máscara,
Que eu possa caminhar sem pretensão,
Sem raciocínio
Deixando meus pés me levarem para o lugar que mais me apeteça,
Fazendo com que me apeteça qualquer lugar.

Que eu seja do mundo todo – e sendo assim, de mundo algum.
Que meu cérebro funcione sempre, sem jamais dar sinal de vida.
Que todo tempo seja de uso consciente,
Mas que a consciência não ouse me robotizar!
Que venham as vontades de abraços e beijos
E que eu possa supri-las – ou então
É melhor que nem exista vontade de nenhum tipo
Para que não haja dor de nenhum tipo

Que os tempos de festa tenham a mesma freqüência do eterno
Festa por dentro,
Dentro de tudo
De tudo e de todos
Que saibam querer
Que queiram brilhar

Que a música boa seja beltada,
Que o aprendizado seja adquirido,
Que a dificuldade venha na exata medida da nossa força,
Que o pesar seja veloz,
Que todo carnaval tenha fantasia,
Que nenhum beijo seja leviano,
Que todo dia seja réveillon,
Que todo réveillon seja saudadexpectativa

Que todo querer se realize
Em nome de tudo aquilo que é bom
E que toda idéia se torne real
Mesmo que não tenha futuro
Mesmo que gere repulsa
Mesmo que não tenha nenhuma função
Além de simplesmente existir
(Como essa poesia, por exemplo),
Já que "basta existir pra ser completo".



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Desintoxicação sentimental

   Não consegui dormir naquela noite. Pintei meu cabelo – coisa que achei que jamais faria – e disse a mim mesma que ali nascia uma nova eu. Uma vez incorporada essa nova eu, apaguei teu número do meu celular, desejando imensamente que isso apagasse você da minha cabeça.
   Chorei copiosamente, até chegar à conclusão de que tenho um reservatório infinito de lágrimas. Depois me lembrei do cabelo pintado, o que me fez perceber como era errado chorar por você. E então comecei a chorar por dentro. Em pouco tempo, dentro de mim, era tudo água. Era tudo maremoto. Minhas idéias? Perderam-se num furacão. Meu sangue se transformara em lava e minha literatura era só exagero, apelando para metáforas e palavras como “visceral”, “doloroso”, “implodir”... Ah, nada me bastava.
Queria alguém correndo atrás de mim novamente. Senti uma vontade súbita de ter um filho. Lembrei-me daquele filme “Romance”, onde a protagonista dizia que quando se sentia completamente feliz, tinha vontade de ter um filho. Tive vontade de ter um filho, mas me sentia completamente triste. Via esse filme e me lembrava de você. Sorria ao me lembrar de você. Porque agora meu sorriso some quando penso no amor? Porque agora meu coração pesa dentro do peito? Porque agora minha garganta se aperta em nós?
   “O amor é uma doença”, li certa vez. Concordei, mas só agora tomei consciência da proporção dessa verdade. Uma doença degenerativa, pensei. Nos dá náuseas, nos põe cambaleantes e com um sorriso bobo por causa de alguém que não sabe nos fazer feliz. Por causa de alguém que não sabemos deixar feliz.
   “Preciso parar de te amar com urgência”, decidi. “Pra poder ainda te amar depois de depois”. Saí de casa para lembrar que o sol ainda me toca cantarolando um velho tango que me traduzia.