quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

agridoce lar

papai não fere.
mas fere.

não na mão estalada na cara.
não em palavras de baixo calão.
não na fivela de um cinto.
não em ameaças ao corpo.

mas fere...
pré-fere.
nos olhares não dirigidos
nas chantagens emocionais
na humilhaçãozinha nossa de cada dia
nos favores severamente cobrados depois

prefere
os silêncios tão duros aos abraços molinhos
o não olhar gelado que atravessa almas
[à piscadela sapeca no descanso de uma rotina

nada é. tudo está.
mas papai é feroz por estar ferindo há muito tempo.

mamãe não gosta de meninas.
aliás: mamãe não gosta
que eu goste
de meninas.

mas mamãe sente o mesmo que eu:
saudades de um tempo
em que um sentimento
ainda se fazia presente.

no mais, nada importa.
nada é. tudo está.
e pode, num instante,
deixar de "ser".

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

joão bobo

fico olhando tua foto
tentando prever o que haverá
daqui pra frente

...em vão.

fico buscando em teus olhos
explicação pra reagires
laconicamente

mas não

encontro qualquer justificativa
que caiba na medida
que exige meu coração.


Meu coração rima com teu nome.


Espero que nossas vidas
rimem uma com a outra, também.

Espero que saibamos fazê-lo bem.
mesmo que seja para algum dia

                                                 despedirmo-nos

e procurarmos um emprego
no coração de outro alguém

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Olhos de coruja

Teu nome não podia ser mais teu, Amada
dado o tanto que tu tens de encantador.
E tão tremendamente me ponho encantada
que escrevo uns versinhos em teu louvor

não pela roupa que, lolitamente,
encobria-te as mãozinhas de fada
nem pelos cachinhos angelicais
que invadiam tua fronte iluminada

tampouco pela voz que cantava
lagarto, pirilampo, vagalume, sapo-boi
que, embora para sempre em mim habite,
é melodia de um tempo que há muito já se foi.

o que em ti mais me encanta são teus olhos.
teus olhos, teus olhinhos de coruja!
Quiçá meu platonismo irrisório
se acanha e teu humor o sobrepuja

Mas não, Amada, não te amo
e não há uma Roxanne por aqui
o amor que eu te tinha era doce.
E, assim como teu olhar, eu vi partir.

Lembro-me bem: em tempos idos,
muito que teus lábios quis beijar
tivesse a Menina não aparecido,
o que nos aconteceria, sabe lá

mas o fato é que o tempo fez
as coisas acontecerem como é sabido
depois, o tempo foi-se de vez
e nos encontramos qual velhos desconhecidos

decerto emocionei-me: foi tão lindo!
deu-me nova vontade de teatrar.
ao ver-te ali, corujinha de olhos rindo,
dei-me conta do tempo que ainda há


Disponível para o que eu queira viver
cantar, compor, sorrir, chorar
seja num palco ou não, mas a me ver
mudando sempre e mais o foco do meu olhar

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O amor começa

se Paulo Mendes Campos me permite (http://www.releituras.com/i_eleonora_pmcampos.asp)...

O amor começa. No meio fio, por exemplo, numa terça feira de sol escaldante, depois de uma aula de teatro e algum debate; começa em cafés ajeitadinhos, diferentes das praças tão bucólicas nas quais termina; lentamente, no meio do cigarro que ele traga ou que ela esmaga no cinzeiro, repleta de “isso vai te fazer mal”; na doçura da aurora tropical, depois de uma noite votada à alegria que veio pra ficar; e começa o amor no enlace das mãos já na fila do cinema, antes mesmo de o filme começar, porque as mãos sabem dos começos antes mesmo de eles começarem; na insônia dos braços luminosos de um envolvendo o outro; e começa nas sorveterias, com as caldas de chocolate sujando os dedos, as bocas, as roupas; mecanicamente no elevador que para, como se a queda de energia dissesse “beijem-se!” a um tímido quase casal; na epifania da lindíssima pretensão dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma decide desbravar as províncias da Ásia, onde o amor não pode ser nada além de amor, o amor pode começar; na necessidade da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles salvadores de água de coco à beira do mar; no filho tantas vezes semeado, quase vingado por alguns dias, mas que ainda não floresceu, abrindo páginas de possibilidades a serem escritas entre as cores e o bom cheiro de uma só flor; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que encanto; e o amor começa na purpurina do carnaval, caindo bem perceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sonho, suor e planos; nos roteiros da vida para a vida, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada, em casinhas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e prossegue; no inferno o amor começa e faz dele o paraíso; na honestidade o amor se aprofunda; em Brasília pode ser umidade; no Rio, vento forte; em Belo Horizonte, maresia; em São Paulo, dolce far niente; uma carta que se decide enviar, e o amor começa; na descontrolada fantasia da libido; às vezes começa na mesma música que começou um outro amor, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e às vezes até começa em ouro e diamantes; e começa nos cruzamentos do trânsito caótico do centro da cidade; começa no coração já tantas vezes remendado, e que o médico sentenciou imprestável para o amor, e começa no longo cantar do galo, que já nem se escuta em meio a tanta buzina – mas começa! Na janela que se abre, na janela que se fecha, às vezes o amor começa sem que ninguém dê nada por ele; uma palavra, às vezes sussurrada, e o amor começa; na verdade; no cheiro das flores roubadas da primavera; no calor tão reclamável do verão; no barulho do pisar em folhas secas de outono; nos abraços obrigatórios ao inverno; em todos os lugares o amor começa; a qualquer hora o amor começa, por qualquer motivo o amor começa; talvez até para um dia acabar e recomeçar de novo em todos os lugares e a qualquer minuto o amor começa.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

sem revizão

Meu sorriso hoje é mais brilhante do que aqueles sorrisos de propaganda de pasta de dente, embora minha boca esteja fechada.

Meu sorriso hoje não é feito de dentes: meu corpo todo sorri por dentro, exibe seu sorriso radiante à minha alma.

Hoje, meu sorriso não se importa se o cara a quem chamam Osho foi um charlatão, nem se distorceram sua imagem, porque só me importa a coerência que eu encontro entre o que esse homem pregou e o que eu sou inclinada a acreditar.

Porque só me importa o fato de fazer muito sentido essa história de termos que plantar felicidade no instante de agora para termos felicidade no instante seguinte.

Não me importa que haja uma corrente de nostalgia e pesar incutida na minha mente tentando me fazer acreditar que essa corrente é intrínseca a mim porque eu já descobri que tenho certeza que posso romper sozinha com essa e tantas outras correntes que tentam me amarrar longe de mim.

Não me importa que na noite passada eu tenha sonhado, literalmente, com o chamado capiroto, apesar de não acreditar em quaisquer demônios, e não me importa também aquele outro sonho que passou longe de ser um pesadelo (mas mexeu comigo bem mais do que qualquer pesadelo mexeria).

Porque ontem eu fui naquele centro Hare Krishna que eu me prometo ir há tanto tempo. Porque hoje eu finalmente achei o filme de 120mm da Bencini que eu herdei da vovó, e quem me vendeu foi uma dona que não se chama Graça à toa. Porque hoje eu fui lá saber como faço para registrar meus poemas e meus sonhos ganharam um pouquinho mais de gosto de palpável. Porque meu pai me deu presentes que eu adorei e seu carinho foi materializado em saia e bolsa. Porque a voz de meu pai me dizendo, antes de atravessarmos a rua, "você é uma boa filha" encheu de lágrimas a retina do meu coração e me presenteou muito mais que a saia e a bolsa.

Porque hoje eu conheci uma escola maravilhosa e vários sonhos renasceram no meu seio, e porque hoje eu levei duas horas para chegar em casa, sendo que talvez nem sequer consiga a vaga que eu quero naquele minicurso, mas nada disso importa.

Só me importa o que une todas as fés: só o Amor e a simples possibilidade do Amor importam.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Aperto

Não me entendo.
(Ai, sentença tantas vezes proferida!)
Durmo grata,
desperto enlouquecida.

Não sinto sua falta.
Minha mente me engana,
como me ensina Osho.

Sinto falta de qualquer coisa que sempre me fez falta
Desde quando nós ainda éramos um laço
(perdoe-me o clichê, é o cansaço...),
Desde quando nem te havia conhecido.
Sinto falta desde que tenho sido
desse pedaço de luz que por vezes me invade
acalanta
e aquece.

Mas logo depois se esvai...
Desde sempre se esvai...
É como ser criança e, andando pela rua, perder-me da mão de meu pai...

Me bate esse desespero da consciência de estar sozinha
Mesmo em meio à tanta gente que a meu lado caminha
E esse aperto, até suponho, talvez forme parte da vida,
E apanho, resignada, já me dando por vencida.

Pia ao longe o passarinho pousado na árvore que mora na minha janela
Não seria mais
nem menos feliz sem ela
ou com as asas do passarinho
(que, afinal, também voa sozinho)

A centelha que busco vive cá dentro
Há que mergulhar em mim para saber
Há que chorar ou sorrir?
Há que ser.

-

 Só vivendo pra (escre)ver os próximos capítulos....
 Beijos de longe (por causa da faringite),
 Zanni


                                                                                   

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Caju

Acho que ontem sofri catarse vendo Cazuza.

Obviamente, não o cantor. Mas o espetáculo (maravilhosamente) dirigido por João Fonseca que teria me deixado rigorosamente semelhante a um urso panda caso eu não fosse meticulosa na hora de comprar um bom rímel à prova d'água. Chorei copiosamente a peça inteira.

No início, confesso, fiquei um pouco triste porque já tinha decidido invadir o camarim e declarar minha tietagem ao Emilio Dantas. Só que não foi ele que fez o Cazuza ontem. Confesso: não me lembro o nome do moço que fez. Vi de relance num papel grudado à porta do Theatro Net Rio: Bruno-alguma-coisa. Seja qual for o sobrenome, o cara DES-TRU-IU. A semelhança da voz e dos trejeitos era algo de impressionar. Digo o mesmo sobre os atores que encarnaram o Ney Matogrosso e o Frejat.

Não me lembro de ter purgado tanta coisa desde que assisti Valente, aquela animação da Disney sobre uma princesa ruiva que não quer se casar. Favor não me julgar. Grata.

Juntei tanta coisa... Juntei a minha própria vida com a vida daquele cara que deixou tantas músicas lindas pra gente se embalar no próprio colo. Juntei o texto em que Bordieu fala sobre capital cultural e sobre como as escolas acabam sendo o lugar responsável por manter (e aumentar!) desigualdades sociais embora se proponham a ser o avesso disso à minha indignação acomodada quanto aos preços muy salgados do teatro musical (e da arte em geral) que se faz no Brasil.

Juntei a explicação do Boal no "Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas" sobre como e porque a tragédia grega provoca catarse à tudo o que eu senti na pele: a harmatia (única impureza do herói trágico) do Cazuza - aquele instinto auto-destrutivo que ele trazia em si -, anagnorisis (quando o herói admite sua impureza a fim de que o público o perdoe) - para mim, foi quando Cazuza disse que o único mal que ele pode causar é a ele mesmo. E que o sex and drive dele não tem nenhum rock'n'roll. A gente se compadece de uma forma indescritível. E isso tudo, é claro, graças à empatia, a identificação absoluta, o se por no lugar do personagem, o dar-se conta de que tudo aquilo poderia acontecer consigo próprio pelo simples fato de tudo ser tão verossímil (afinal, ali é baseado em vida real: não se trata de ficção) e sermos todos humanos.



Juntei o que um professor de Teoria da Literatura disse uma vez - "a gente é muito esquisito. Passa perfume, sai de casa, senta numa poltrona e fica assistindo pessoas que a gente nem conhece dizerem coisas que foram ensaiadas e ainda aplaude no final pra mostrar que gostou" - com toda a fé que eu deposito na capacidade da arte de transformar vidas e mundos.

Sabe, a vida, no final das contas, é uma merda. A gente ta vulnerável à doenças, vícios, caminhos tortuosos, desafios intransponíveis, obstáculos barrando nossos sonhos, preconceitos, grosserias, humilhações, inseguranças e ignorância. Mas se refizermos as contas com calma, até que dá para levar tudo numa boa, dependendo da ótica que você escolher para enxergar a vida. 

Juntei o fim do meu namoro - ferida ainda com um pedacinho resistindo em carne viva - com meus pés melados de água salgada e areia numa fuga ilícita e não planejada à praia. Me juntei com o mar, com a lua quase cheia e as poucas estrelas que a poluição me deixa ver. Lembrei de amores antigos, lembrei de possíveis novos amores, lembrei da minha infância e do meu futuro.

E no fim, tive aquela sensação maravilhosa de estar no caminho certo.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

À caminho da felicidade escandalosa

O lado ruim de já ter sido plenamente feliz é não conseguir me conformar à meia felicidade. O lado ruim de terminar um namoro é ficar me questionando se esta foi mesmo a decisão mais acertada. O lado bom do sábado à noite é que tudo pode acontecer.

Confesso que saí de casa mal intencionada. Comprometida apenas com a ideia de me divertir terrivelmente. A fim de fazer tudo o que não me interessa(va) nem um pouco desde quando tinha lá meus 15 anos ou menos: ficar levemente embriagada, dançar sem qualquer pudor, beijar com afã desesperado alguém que nunca tivesse visto na vida.

E foi o que fiz. Passei meu batom vermelho e me dirigi ao paraíso: um lugar onde só toca mpb. Mas antes, lembrei que o rastro que meu Alvedrio deixou em mim é como um perfume francês: forte demais. Invadiu meus poros e agora faz parte do meu sangue. Mas dessa vez, lembrei do lado mais positivo desse rastro: minha vida segue parecendo um filme.

Por isso mesmo foi que conheci um moço que faz cinema. Um sujeito estranho na barba, nos olhos, no gosto de sal, e mais, embora não tenha tocado Oswaldo Montenegro - uma pena, aliás. Primeiro, conheci seus olhos. Assim, à distância. Fitei seu olhar fitando a mim. E então, houve um joguinho irresistível de desviar de olhares falsamente tímidos.  Sempre à distância. Um diálogo mudo e sempre à distância. Coisa de cinema. Sempre na levada da música que embalasse cada instante. Sempre parecendo que a vida era um eterno dançar e flertar. 

O flerte é uma prática indispensável à felicidade escandalosa. E aqui resgato Baudelaire: o importante é embriagar-nos do que quer que seja. No caso do flerte, não importa com quem ou com o que flertamos. O importante é que haja recíproca. Ontem, flertei com o espelho, com o batom vermelho, com a música brasileira, com dois copinhos de caipirinha, com meu corpo desenhando danças improvisadas pelo espaço, com o próprio flerte e com o moço do cinema. E todos flertaram comigo, de volta. E foi só por isso que a noite passada foi mágica: flertei comigo. E flertei comigo, de volta. Uma recíproca encerrada em si mesma. Protótipo de felicidade-escândalo.

É claro que nada do que aconteceu ontem me assegura a felicidade derradeira (algo assegura?), mas já não importa. Na verdade, nada do que aconteceu me assegura nada. Mas tampouco isso importa. O que importa é que percebi à tempo que nada vai dar certo a quem não se apaixonar perdidamente por si mesmo.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Baudelairando

...e acabou-se de repente o meu mundo cor-de-rosa.
Só agora me dei conta do quanto fui corajosa.
Decerto que houve um rompante - coisa que ninguém espera -
e nada foi como era antes: abriram a jaula da fera.

Disse à mim frente ao espelho: "só e louca, eis-me aqui".
Rabugenta como um velho, nada gostei do que vi.
Eram lágrimas pesadas, me desciam rumo ao chão.
Se quedavam estateladas, tal como meu coração.

Tomou-me o desespero que é meu velho conhecido.
Disse que me deixaria quando fosse convencido
de que a vida vale à pena, que há justificativa
pra aturar tanto problema, pra buscar uma saída

Acontece que a certeza, essa fé, essa razão,
não alcança quem só reza mas não vive com paixão
Há que estar apaixonado, embriagado, isso sim.
Mas talvez não do jeito errado: talvez apenas por mim.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

hueco

particularmente,
vai tudo muito bem
exceto essa saudade
de estar saudosa por alguém




domingo, 2 de fevereiro de 2014

Tatiar

Ontem, a fofíssima da Supertatiana disse que fica ouvindo mil vezes as músicas que eu jogo por aí, daí eu resolvi fazer isso aqui pra ela.

Sei que às vezes é difícil
entender que a vida
não é tão difícil
quanto parece ser

Sei que desespera
quando o tempo te atropela
e você nem leu
o que queria ler

sei que dá vontade até
de ser outra pessoa
quando nota, a vida voa
e você nem viu

sei que não resolve
essa canção enquanto chove
mas ela é feita pra você
ouvir bem mais de mil

vezes
pra ver se acerta os teus revezes
pra ser um hino que conduz
o teu caminho até a luz

tateando no escuro
pouco aprendo sobre mim
mas se eu desço do muro
lido melhor com meus fins

meditando em pleno breu
Tati anda sob o sol
sonhos parecem com os meus
lua parece um farol

sei que é tentador
fugir com o circo
e, por favor, conte comigo,
que é difícil se equilibrar

nessa corda bamba
que é a vida
sem trapézio e sem saída
que não seja improvisar

saiba que nenhuma opinião
é derradeira
e que a fé só é verdadeira
se te tira o frio

e que todo mundo ta aqui
é pra prender
e não dizer se você
já reencarnou bem mais de mil

vezes
pra ver se acerta os teus revezes
pra ser um hino que conduz
o teu caminho até a luz,

até a luz,
até a luz