sábado, 23 de março de 2013

A história de Pedra e Bolha

para Manoel de Barros


Pedra era um belíssimo mineral: preto e sólido primogênito da respeitada família Rocha. Pedra morava com sua família num majestoso arquipélago brasileiro. Tinha tudo do bom e do melhor, mas não achava sua vida nada fácil. Era um jovem um tanto quanto nostálgico, apesar de muito rígido em suas opiniões.  Morando tão perto do mar, é claro, não podia deixar de ter certa poesia.

Percebia-se aprisionado por sua própria natureza, e lamentava-se diariamente por isso. Minerius Rocha, seu pai, ouvia as lamúrias de Pedra, e acreditava tratarem-se de simples angústias adolescentes, mas Pedra sabia que seu sentimento era de uma inconformidade que ia muito além do exagero hormonal de sua faixa etária. Tinha sonhos, e nunca deixaria de ter.

“As pedras não sonham, meu filho. As pedras só pedram”, dizia Minerius, plantando ervas daninhas no peito de seu filho, que queria mais. Pedra queria saber nadar. Em alguns dias mais ambiciosos, ousava até sonhar com voos. Mas só desejava saber voar pra mergulhar, do céu, no mar. Tinha pelo mar um amor que se tem por deus.

Bolha, uma onda tranquila do mar que banhava o arquipélago onde morava Pedra, o olhava de longe desde que eram crianças. Havia nele qualquer coisa que brilha, apesar de estar sempre sisudo. Certo dia, Bolha resolveu aproximar-se de Pedra e tentar a sorte, puxar assunto. Conversaram pouco. Bolha era falante, agitada, mas Pedra só lhe dava timidez.

Após dias e dias sendo visitado por Bolha, Pedra confessou invejar sua liberdade de ir e vir. “Não é liberdade”, disse bolha: “é uma condição. Não é como se eu tivesse escolha. Às vezes eu quero ficar quieta no meu canto, e não posso. Tenho que seguir com o ciclo. Já tentei conversar isso lá em casa, mas papai é irredutível”.

Bolha tentou convencer Pedra de que valia mais a pena viver os dias com alegria, e que o primeiro passo para conseguir isso era “aceitar a imutabilidade do que não pode ser mudado, oras!”. Mas Pedra era cabeça dura, e não queria dar o braço a torcer. Sentia inveja de Bolha e sua (supostamente) infinita liberdade. Queria, como Bolha, poder deixar-se levar pelo Vento, deixar-se influenciar pela Lua, e ser qualquer coisa que não se enquadrasse na dolorosa necessidade de estabilidade e coerência exigidas pela família Rocha.

“Nem chorar eu posso!”, disse Pedra, num soluço seco. Tamanha foi a emoção que invadiu Bolha, que a pequena onda evaporou antes do tempo, e virou chuva, chorando a si mesma sobre Pedra. O ciclo da água ficou de ponta cabeça: vegetações secaram, ecossistemas se desequilibraram. O Vento ouviu reclamações e rumores por onde passou, e foi até o arquipélago da família Rocha a fim de tirar aquela história a limpo.

Ao conhecer Pedra e Bolha, constatou que os rumores eram verdadeiros e ficou furioso. E Vento furioso assume forma de Ventania, conforme é sabido. “É liberdade o que você quer? É liberdade que você vai ter!”, disse o Vento, já mulher. Deu-se uma tempestade assustadora, e Pedra desprendeu-se de sua família. Bolha imediatamente envolveu-o em si, como um manto. Pedra sabia que sentiria saudades de seus entes, mas estava disposto a pagar o preço para sair daquela pasmaceira que era sua vida.

Pedra e Bolha se divertiram por anos a fio, mas o tempo passa para todo mundo, e Pedra começou a se desgastar. Ocupava cada vez menos espaço, e tinha cada vez menos controle do espaço que ocupava. Bolha, por sua vez, com o tempo, de azul, foi ficando branca e cheia de bolhas, fazendo, finalmente, jus ao nome.

Quando Pedra se desgastou até o final, Bolha se transformou em espuma do mar e, de tanta saudade, deixou-se levar pelas ondas mais fortes por toda a eternidade. Pelo menos, foi assim que o Vento, veterano de guerra, me contou: “É, minha criança... Espero que eu tenha agido de forma correta”, me disse, antes de virar brisa e bagunçar meu cabelo.

Acho que depois de velho e de muito errar querendo acertar, o Vento se deixou ser criança e acertar sem querer nada. Ainda pude ouvir que “ambição é o que mata a gente, mas também é o que faz viver” num uivo pequenininho, de um Vento que agora, não desprende nem folha do chão.

sábado, 16 de março de 2013

Vai sem parágrafo, mesmo

Nossa conversa fluiu de primeira. Um dia, você apareceu com aquela blusa cor-de-rosa e eu disse para mim: "já era". E já tinha sido, mesmo: o nome da minha vontade já era o teu. Rápido demais (mas de um jeito bom), me vi te pedindo um beijo. Já sabia que você queria que eu ganhasse teu beijo... Não me custou nada pedir. Nada me custa, aliás, quando se trata de você. Não me custou, por exemplo, escrever uma música para você assim que cheguei em casa, ainda trêmula do nosso beijo. Não me custou guardar na minha caixinha de lembranças o papel daquele chocolate que você comprou para mim, como se eu fosse uma menininha de 5 anos apaixonadinha por alguém na escola. Não me custou confessar que penso em você, agora, quando compro um vestido, porque sei que você acha bonito. Não me custou te convencer a assistir um musical usando um vídeo da Penélope Cruz de lingerie como argumento. Não me custou te contar minhas histórias, das mais complicadas às mais simples, e ouvir as tuas, de volta. Não me custa ser eu mesma, sem medo, sem pudor e sem bloqueios, o tempo inteiro, desde que ao teu lado. Não me custa não pensar, e só deus sabe o quanto isso é diferente para mim, que costumava pensar tanto. Não me custa não ficar tensa, mesmo conversando sobre assuntos sutis, como ciúmes, ex, neuroses particulares ou até sobre a gente. E mesmo ficar constrangida com as suas cantadas baratas (ou com as caras), não me custa. Não me custou perceber como é bom ter meu coração acelerado com as tuas declarações tímidas e beijos incisivos. Você não me ensinou só uma palavra que eu não conhecia: tem me ensinado a viver o significado dela.  Desde que você apareceu na minha vida, eu me sinto dentro de um filme. Já te disse isso, acho. E, sabe, é um filme muito legal. Gosto do figurino, do elenco, dos cenários, da trilha sonora e das falas. Elas fluem. Tudo flui! Lembra quando você perguntou se eu tinha vontade de fazer alguma tatuagem? Pois é, mudei de ideia: tenho sim. Quero tatuar alvedrio na minha alma. Já escrevi o a sozinha. Quero escrever o l, o e, o d, o r, o i e o o com você. Topa?

quarta-feira, 13 de março de 2013

Não se tira a cor da voz

Tocou Wonderwall no sarau.
É claro, lembrei de você.
Mas só lembrei, mesmo
Lembrei só por lembrar
Assim, rapidamente

Meu pensamento demorou um pouco mais
(admito)
quando lembrei do que você acabou gerando.
E então, lembrei de The Reason,
canção que também há muito não ouvia.
Mas só lembrei, também.

Lembrei só por lembrar
porque cantei no sarau.
E aí me lembrei de Chico
e quando lembro de Chico,
ou quando canto,
"que se cuide quem não for meu irmão".