segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Reinventando o clichezão de ano novo

Desejo ao mundo que 2014 seja um ano melhor do que os 2013 anos anteriores conseguiriam ser se fossem somados.

Que em 2014 haja mais boa vontade e tolerância entre os povos e entre indivíduos de um mesmo povo. Que sejamos gentis à família, aos amigos, ao gari e à secretária. Que buzinemos menos no trânsito.
Que tenhamos consciência de sermos uma unidade: a espécie. Que zelemos por ela e pelas demais espécies que habitam o planeta.

Desejo a todos os que já me leram e aos que já me escreveram, e aos que já me sorriram, aos que não vão muito com a minha cara e aos que nunca ouviram ou ouvirão falar sobre mim, que confiem no que acreditam e defendam sua ideologia com toda a força, mas que estejam abertos para ouvir, respeitar e considerar a opinião alheia.

Desejo bom senso a todo adulto e infância a toda criança.

Desejo que você alcance seu maior objetivo sem ferir a busca de ninguém, queira você encontrar um amor, ganhar mais dinheiro, se livrar de um vício, obter fama, ter mais saúde, se conectar com deus, ter um filho, publicar um livro ou plantar uma árvore.

Que não se realizem todos os seus sonhos, mas que você lide de forma madura com as frustrações e que não deixe de seguir sonhando e de correr atrás da realização de cada um dos seus sonhos.

Que uma brisa leve arranque sutilmente os rancores, mágoas e desafetos de 2013 do nosso pensamento, e que a partir de agora haja só perdão – a si e aos outros.

Que nos ajudemos mutuamente e sem querer nada em troca, ainda que não nos conheçamos.

Desejo a todos os que acreditam no poder do amor, da alegria e da gratidão, enxurradas de persistência para inundarmos o mundo de amor, alegria e gratidão.

Desejo sol para que nossos dias sejam cheios de luz e calor. Luas cheias que iluminem nossas vidas quando tudo parecer muito obscuro. Luas novas para que aprendamos a conviver com nosso lado mais obscuro.

Uma primavera repleta de cores e um inverno bem agasalhado a todos. Dinheiro sobrando no final do mês porque soubemos e pudemos gastá-lo bem. Louça para lavar porque houve o que comer.

Rotina apertada com muitas atividades que nos deem prazer. Longas noites de sono.

Terças feiras de chuva e sol, para termos arco-íris, e almoços de domingo com a família. Sextas de festa à noite toda e sábados de praia ao fim da tarde. Quartas feiras começando com o despertador na soneca e quintas feiras terminando com um bom beijo na boca e/ou o abraço apertado de alguém querido.

Que em toda segunda feira tenhamos o ânimo do réveillon.

Feliz 365 próximos dias. Não se esqueça de estar vivo.


Com muito carinho,
Luísa Zanni

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Noite de lua cheia em mim

Lembro nitidamente de uma entrevista do Oswaldo Montenegro pro Jô na qual o Oswaldo dizia que foi maravilhoso pintar todo o apartamento dele como se as paredes fossem telas. Maravilhoso porque, não sendo ele pintor – compositor, músico, poeta, diretor e ator, sim. Mas pintor, não -, ele não tinha nenhuma obrigação de pintar aquelas paredes com qualquer técnica. Não havia a menor exigência de que aquilo fosse esteticamente perfeito ou rendesse bons elogios vindos de críticos de arte entendidos. Era para ele, e mais ninguém – exceto, talvez, para alguns poucos corações sensíveis demais.

Mas a arte que nasce despretensiosa voa alto – “voa, condor, que a gente voa atrás...”.

Por isso, mesmo não sendo eu pintora, colori toda uma parede do meu quarto com tintas e palavras que me transmutam, sob inspiração absoluta desse (super) homem chamado Oswaldo Montenegro. Foi um dos caras que mais me ensinou sobre o porquê das minhas pretensões artísticas. Quase ia me esquecendo...

Canto porque quando canto(,) pra mim(,) o tempo para, a gravidade some, o mundo é bom. Poderia ficar muito tempo tentando explicar o que sinto quando canto, mas não adiantaria, então paro por aqui.

Atuo porque o teatro é um deus benevolente que permite a nós, atores, através da experiência de sermos outras pessoas, descobrirmos um universo inteiro sobre nós mesmos. Atuo porque aprender a viver sem a ajuda de personagens é solitário e doloroso por nada. Atuo porque assistir teatro já me tornou alguém melhor, e tomo por obrigação a responsabilidade de multiplicar essa melhora em mim e em terceiros. Atuo porque sou viciada em emprestar meu corpo para almas de papel.

Escrevo porque muitas vezes quero dizer muitas coisas a muita gente, mas não posso, porque essas pessoas não sabem que eu existo, ou me conhecem, mas não tem tempo pra conversar por mais de meia hora, ou me conhecem e não gostam de mim – e talvez sejam essas a quem eu mais quero me fazer ouvir.
Esse texto é para alcançar uma dessas pessoas. E a mim, porque, tem certas coisas, que a gente tem que se lembrar, de vez em quando. A hora é essa.

Danço (mesmo que loucamente e sozinha no meu quarto, em ritual, ou ébria numa festa com amigos, ou na apresentação de meio de ano da escola de dança) porque quando danço sinto o corpo. E sei que estou viva. É claro: sei que estou viva porque penso, respiro, ando, sinto fome, etc. Mas quando danço, é como se meu corpo despertasse do sono profundo ao qual a rotina nos submete. Danço porque quando danço me esqueço do tempo em que me recusei a dançar. Danço porque isso me prova que deuses existem. Porque eu suo, meu coração acelera, e meu olho brilha mais. Danço para me por em comunhão comigo mesma.

Danço porque não sei dançar. E porque, por não saber, sinto vergonha quando me veem dançando. Mas se sou capaz de passar por cima dessa vergonha e dançar, desavergonhadamente não sabendo, a dança torna-se de um prazer indescritível: um prazer que só conhece quem mata o medo do ridículo. Danço porque, por não saber dançar, não preciso dançar bem.

E não ter obrigação de fazer bem alguma coisa é absolutamente libertador.

Agir sob esse raciocínio é premissa para ignorar completamente a ambição que nosso ego nos sugere. O que, por sua vez, é premissa para ser um poço de gratidão. O que, por fim, é premissa para ser feliz de fato.

Hoje, anoiteceu em mim. Mas tem uma lua cheia aqui dentro iluminando tudo e dizendo, incessantemente, que é claro, como o próprio sol, que o sol vai voltar amanhã.


sábado, 14 de dezembro de 2013

Bom dia


Acordei sobressaltada. A frequência dos meus atrasos nas últimas semanas me fez pensar que eu havia me atrasado novamente. Mas não: era sábado. Podia dormir até mais tarde, se quisesse. Mas não quis, pois Marani - minha gata - saiu de seu posto ao pé da cama e veio me dar bom dia.

Ali tive certeza de que seria um bom dia. E foi. Quando a gata decidiu sair do aninhamento que havia criado, para si, em mim, levou junto a cara de sono que a noite anterior pregara na minha expressão. Me veio uma música da Mercedes Sosa na cabeça - aquela que diz el amor es simple y a las cosas simples las devora el tiempo. Ouvi o dvd da Mercedes e cantei com ela, pretensiosamente, enquanto arrumava meu quarto. Tudo na maior tranquilidade, já que meu dia só começaria lá pelas duas horas da tarde.

Ao telefone, me foi dito "sai do metrô". Eu entendi que deveria sair do trem e saí do trem. Esperei na plataforma. Foi quando a voz de Elza Soares se fez soar nos meus fones de ouvido cantando levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. E foi o que eu fiz: dei a volta por cima da estação da Central e encontrei quem tinha de encontrar, (quase) na hora em que devia ter encontrado.

Chegamos. Num certo momento da festa, devo dizer, emputeci-me. Entediei-me. Mas logo depois embebedei-me e dancei e dancei e dancei. Depois, houve a despedida, que nada mais é que o momento que antecipa um novo encontro. 

Encaminhei-me, pois, ao lugar do novo encontro. Temi que tudo desse errado. Que os amigos fossem amigos apenas da boca pra fora, mas não: ao ver ali tanta gente unida em função de um mesmo sentimento - esse amor sublime que só os amigos sabem qual é - não exagero se disser que recarreguei minhas baterias de fé na espécie humana.

De volta ao lugar a que chamam casa - o refúgio com a família -, o cuidado e o carinho, ainda que excessivos, foram recebidos de bom grado, como gratidão ao dia de hoje, que me recebeu com seus braços tão longos estendidos à mim.

Bem que Marani avisou que seria um bom dia.




quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Um dos deuses mais lindos

   Os deuses tem as formas mais surpreendentes possíveis de se mostrar. Adoram essas entradas triunfais, é impressionante. Não haveria de ser diferente com o cara que controla o tempo todo. O cara que controla todo o Tempo. O cara que se controla pra gente não ter tempo de mais nem de menos - o tal do Cronos.

  Estava eu desabafando com uma amiga sobre minha frustração prévia por saber que não terei tempo de fazer tudo o que eu queria no meu cotidiano de 2014, sendo que esse dois mil e ter-se  (frase de Eu me chamo Antonio) ainda nem foi embora.

  Mas o fato é que, assim que fui pra longe dessa minha amiga, Cronos fez um redemoinho de folhas e poeira ao meu redor (que nem naquela cena da Pocahontas, sabe?), congelou o tempo apenas para mim e disse, numa voz tempestuosa:

- Eu ouvi bem você dizer que não tem tempo? Eu existo apenas para que você se deleite em tanto ócio e reclame que precisa ainda mais de mim? Eu te dei as noites escuras propícias ao descanso e os dias ensolarados perfeitos à atividade e assim você me é grata? Eu me entrego a você, você faz o que quiser de mim e ainda pede mais? Quanta tolice, menina. A culpa nunca foi minha. A culpa é apenas dessa sua inconstância, que é sua única característica disciplinada. Quer mais tempo? Larga desse celular e pisa em grama, sente o vento, lê um livro. Esquece o relógio. Descobre do que seu corpo e sua mente são capazes pra ver se vai ter coragem de reclamar de falta de tempo. Não costumo me dar ao trabalho de vir guiar ninguém porque não sou babá, mas tuas reclamações me aporrinham dia e noite. Dá um tempo, garota!

E partiu, de carona numa dessas nuvens baixas que tem aqui em Minas Gerais. E eu fiquei aqui, embasbacada, mas tranquila com a consciência de quem é eterno e não tem que viver pra ontem.

Ninguém me contou, não, gente. Eu vi. Vi o tempo falar comigo pra depois passar por mim.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Carta à uma cristã

Alice,

Não sou cristã, já te disse. Sempre tomo muito cuidado quando converso sobre religião com algum cristão, talvez por medo de ofender, talvez por medo de ser ofendida. E foi por isso mesmo que disse, cheia de dedos, que não sabia se nós acreditávamos no mesmo deus, mas que acreditava que deus não dá nada de graça pra ninguém; que é necessário correr atrás do que se quer - correr como você correu. Lembra o que você me respondeu? "A gente acredita no mesmo deus, sim". E deve ser isso, mesmo. No máximo, eles tem nomes diferentes, mas o mesmo Amor e a mesma função.

Há dois anos conheci uma menina cristã que me fez rever completamente a imagem preconceituosa que eu fazia de quem compartilha da sua crença. Os julgava bitolados, me incomodava com suas tentativas insistentes de converter a todos à sua fé como se fossem os donos da verdade. Mas essa tal menina era tão legal que me ensinou, sem querer, que personalidade - e, principalmente, caráter - não tem nada a ver com religião.

A verdade é que todas as pessoas de qualquer religião estão sujeitas a serem humilhadas, rechaçadas ou incompreendidas por outras pessoas de qualquer religião. Existem cristãos absolutamente desonestos e ateus admiravelmente evoluídos espiritualmente.

E você me lembrou disso.

Não que em algum momento eu tenha retrocedido naquele meu aprendizado sobre caráter independer de religião, mas essa é uma informação que esteve adormecida na minha cabeça por algum tempo.

Ainda tenho cá minhas revoltas com o que a instituição Igreja fez e vem fazendo com vários e vários fiéis. Me doi ver gente sendo manipulada pelo medo, ainda mais em nome de deus. Sabe, é bem bonito quando a gente vê que alguém segue os preceitos e cumpre os sacrifícios de uma religião por fé, por amor, e não por medo. E vejo isso em você. É mais bonito ainda ser testemunha dessa tua coerência entre o que você crê e as tuas atitudes então, se meu conselho servir de alguma coisa, não liga pra quem, por falta de coisa melhor pra fazer, te critica sem ter o que criticar.

Até porque, não tem nada de "cristão" em meter o nariz da vida dos outros. Não tem "deus" aí. E a gente não precisa perder nosso tempo onde não tem deus, certo?

Só isso que eu queria te dizer.

Até!
Luísa Zanni

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terça-feira, 19 de novembro de 2013

Meu amor vulgar

   Você extrai de mim meu sujo. Meu all star velho, meu jeans surrado. Aliás, jeans não, porque você me liberta tanto que conclui que jeans me aperta e que, por isso, não me é útil. Você extrai de mim minha calça sarouel, meu body de lycra, meu chinelo, meu pé no chão. Meu vulgar, meu torto, meu feio, minha cara limpa. E, despida de brilhos e paetês, me sinto de vestido longo, salto alto e batom vermelho. Me sinto sempre admirada. Desejada. Querida.
  Nua, me sinto cravejada de diamantes por todo o corpo. Mas estou cravejada de amor - do TEU amor, que faz tudo mais bonito.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

areal

"castelo de areia que o mar leva embora
é a vida" - dizia a menina que chora
enorme tristeza trazia em si
quando descobriu que se deixou trair

vai mentir assim lá na China
vai mentir assim lá na China
não sou teu brinquedo, já fui tua menina
não sou de brinquedo, já fui pequenina

sambando na areia a menina disfarça
o rubor que vem do gracejo que passa
junto ao menino que o proferiu:
"sereia mais linda que a areia já viu"

vai mentir assim lá em casa
vai mentir assim lá em casa
tristeza de amor é coisa que passa
quero um novo amor, voltar a ter asa

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A flexão do eu (ou "A flexão doeu")

Para Vanessa, Sandra, Anderson, Azeredo e todas as suas aulas apaixonadas e apaixonantes.

Aula de língua portuguesa. Tópico: diferenciar morfologia (que é aquela coisa que estuda como as palavras se formam) lexical, nominal e flexional. Meu professor explicava que para perceber de qual processo de formação provém determinada palavra, existem alguns detalhes aos quais vale a pena estar atento.

Falando sobre morfologia flexional, disse que só se trata desta “quando a forma da palavra se altera para a expressão das categorias obrigatórias”. Quer dizer: “quando as alterações são passíveis de serem enquadradas em regras gerais, em mecanismos sistemáticos”, são o objeto da morfologia flexional. O professor pôs-se a falar do que não era flexional, para que pudéssemos entender melhor.

Os artigos e pronomes, como em seu exemplo, são classes de palavras que variam em gênero e número. Morfologia nominal, e não flexional, já que suas “flexões” não são enquadráveis em regras gerais. “Ele”, por exemplo, se converte em “o” (assim como “ela” em “a”), mas não existe uma regra geral que explique ou defina essa alteração. “Eu”, continuou o professor, se converte em “me” ou em “mim”, e tampouco existe uma regra que enquadre essa flexão.

“Eu não tenho uma regra para transformar ‘eu’ em ‘mim’”. Quando ouvi isso, o tempo parou. Lembrei daquele poema do Leminski que diz que “isso de ser exatamente o que se é vai nos levar além”. Assim: sem regras. Assim: sem querer ser qualquer coisa que não seja ser a si mesmo.

Quando o professor falou sobre “a flexão do eu”, ri comigo mesma. Pensei, bobamente: “a flexão doeu”. Só que a flexão do eu, em mim, não me doeu coisa nenhuma, justamente porque não existiram regras nesse processo que gerou as alterações necessárias para que eu me virasse... Para que eu me virasse do jeito que pudesse, me virasse do avesso e, do avesso, saindo de mim, me tornasse eu – exatamente quem eu sou hoje (e hoje, finalmente, sou eu mesma).

Lembrei também de “preciso mudar. Ainda não sou eu”. E então me lembrei que a tentativa da flexão do “eu” em “mim” já doeu um dia. 

Doeu. Em mim. Um dia. 

Mas, uma vez que me despi da querência de normas, a dor cessou. Fui livre e me virei. Virei eu e fiquei livre para sempre. 

A flexão do eu (em mim) doía... Já parou de doer faz tempo. Doía porque eu queria ser flexional – me encaixar em um conjunto de regras gerais, fazer parte das categorias obrigatórias. Por muito tempo fui a própria flexão do “ia”. Não era: almejava ser. Nunca tinha sabido o que era ser mais que “quase”. Mas já faz tempo que me livrei da flexão do “ia”. Doía demais... Me converti em mim e só precisei não ter regras para isso.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Uma quimera: gritar o amor

Hoje, ao final da aula, um aluno (que já cansou de dar em cima de mim) me perguntou:
-P'fessora, a senhora tem namorado?
E eu disse, num tom extrovertido, sem pestanejar:
- Sim, senhor! - o que gerou certa balbúrdia entre os colegas.
Mas não tenho um namorado, substantivo masculino, apesar da aliança no meu dedo - tenho namoradA, substantivo feminino. Mas não banco dizer isso numa turma de 9º ano que nem é minha: sou uma reles bolsista de iniciação à docência. Além disso, respondi ao menino o que ele queria saber: eu namoro.

Dentro da nossa cultura, isso significa "estou numa relação monogâmica com alguém". Não é obrigatoriedade do verbo "namoro" indicar uma relação homo ou heterossexual. Mas me entristece não me sentir confortável para dizer em alta voz que "não: eu tenho namoradA". E me entristece porque essa falta de conforto vem de uma incompreensão sem fim sobre esse tipo de relação (homo) sedimentada na nossa cultura.

Por outro lado, me conforta estudar Letras e concluir, verborragicamente, que não menti ao menino. Afinal, eu tenho namorado, sim. No pretérito perfeito (e bota perfeito nisso!) composto do indicativo, eu tenho namorado - e muito! - a minha namorada, a quem eu tanto amo.


Meu amor é uma menina.
Minha menina é um moleque.
Meu moleque é uma mulher.
Minha mulher é um amor
- MEU amor.

Beijitos,
Lu

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Por quê?

Dia desses lotei uma página do meu diário com questionamentos direcionados à mim mesma. Não consegui responder nenhum. Parei pra pensar agora e tenho mais alguns pra coleção. Sem qualquer pretensão de alcançar conclusões definitivas, deixo aqui as novas perguntas e umas linhas de raciocínio sobre elas. Decerto a ninguém interessará essa bobageira de crise de menininha de 15 anos (embora eu já tenha aniversariado um tico mais que isso), mas vou postar assim mesmo.

Por que desativei meu facebook?
Por que criei uma página para o blog no facebook?
Por que meu perfil no blog não diz quem eu sou?

No dia em que desativei aquele troço, compartilhei uma imagem que dizia "EU ESCOLHI A BRUXARIA". E ta certo, escolhi mesmo, há uns quatro anos. Mas ainda não sou mais que uma neófita. Ainda conheço pouquíssimo para considerar a mim mesma uma bruxa, e o mais perto que já cheguei de uma dedicação foi no ano passado, tendo deixado a celebração da última lua cheia do ano pra lá. Ou seja: sou uma curiosa preguiçosa, por assim dizer, da bruxaria. E a preguiça tem sido mais praticante do que a curiosidade. Pois me diga: qual a necessidade de uma neófita compartilhar aquela imagem? Exibicionismo, concluí. Não consigo convencer a mim mesma que sou uma bruxa! Por que então essa necessidade de convencer/provocar os outros?

Vejo pessoas agindo tal e qual eu percebi ter agido naquele momento. Essas pessoas e eu, com essas atitudes desnecessariamente expositivas, me fizeram desativar aquele facebook cheio de gente falando quase sempre coisas que não vão fazer crescer a ninguém - nem a si mesmos, nem a mim, nem a qualquer um que leia.

Criei a página para o blog no intuito de (me) expor, de certa forma, mas já não se trata, aqui, de uma exposição gratuita de mim - "Luísa" -, uma exposição gratuita do meu ego. Nem sequer uma exposição do que penso, já que exclamo menos do que pergunto. Mas uma exposição do que crio ou experimento, do que acho que vale um tempinho da reflexão de outrem ou do que penso que pode alegrar o dia de alguém que está geograficamente distante de mim. Acho incrível essa potencialidade da internet - a de tocar à distância - e quero aproveitá-la.

Há gentes em excesso querendo mostrar o que criam ou experimentam, e isso gera uma saturação no buraco negro que é a internet que quase me põe claustrofóbica.

Sou indefinida e inacabada, como todos. Estamos sempre à mercê do dia seguinte: sujeitos a sermos berço de uma característica até então inédita em nós, e por isso não somos capazes de definirmos a nós mesmos. 

Eu não sou capaz de me definir. Essa perspectiva destroça a necessidade de um ego e a necessidade de exposição de qualquer coisa que eu seja, já que eu não sou "coisa" nenhuma, efetivamente.

Ta dando pra entender?

To achando que essa história de se individualizar, se nomear, ser o avesso do anônimo é que pariu o egoísmo. E isso ainda vai acabar destruindo nossa razão - se é que ainda temos alguma.


domingo, 27 de outubro de 2013

Instruções para Cortázar um mal

Preâmbulo às instruções para Cortázar um mal

Tenha um problema. Deixe-se levar por ele até que se esqueça qual o verdadeiro motivo de sua preocupação. Fique triste, imensamente triste. Desesperado. Perca a fé na humanidade. Perca a fé em si. Desacredite do deus que você acredita. Tenha canais lacrimais. Permita que seus canais lacrimais derramem pela sua face um verdadeiro oceano de tristeza salgada. Pense que não há saída, e procure uma.

Instruções para Cortázar um mal

Tenha um rosto embebido em gotas de água com sal e duas mãos. Na verdade, não são necessárias as duas mãos comuns à maioria das pessoas. Se não tiver mãos, use as mãos de outrem. Convém tratar-se de um amigo - convém ter um amigo, principalmente para Cortázar um mal, mesmo que você tenha duas mãos.
Se tiver as duas mãos, tanto melhor: deslize as mãos - ou a mão, caso só tenha uma; ou as mãos de outrem, caso não tenha mãos - sobre pele da sua face embebida em gotas de água com sal no intuito de afastar as gotas dali. Caso elas molhem suas mãos - ou sua mão, ou as mãos de outrem - e isso te incomode, enxugue suas mãos - ou sua mão, ou as mãos de outrem - na roupa que estiver vestindo ou em qualquer pedaço de pano que houver por perto, caso esteja nu. Tenha uma boca. Tenha consciência de que tem uma boca. Abra a boca para descobrir se você está vivo. Caso esteja, faça movimentos aleatórios com a boca. Jogue a língua para fora dos limites dos lábios como se quisesse ser desaforado com o mundo. Saiba o que é uma carranca e inspire-se nela. Depois de espantar os maus espíritos, perceba que é possível movimentar o canto esquerdo da boca para a extrema esquerda do rosto. Movimente. Faça o mesmo com o lado direito. Perceba também que é possível movimentar os dois cantos da boca ao mesmo tempo. Perceba por fim que é possível essa movimentação dos cantos da boca com um largo espaçamento entre um lábio e outro, até que se possa ver todos os dentes - ou toda a gengiva, caso você não tenha dentes. Realize essa movimentação. Finalmente, você acabou de dar um sorriso. O sorriso é o avesso do mal. Você acabou de Cortázar um mal com sucesso. Parabéns e boa vida. 




Por que eu estava triste, mesmo?
Lu


ps. Não entendeu nada? Dá uma lidinha nesse texto (ou em qualquer outro) de um cara chamado Júlio Cortázar:

"Preâmbulo às Instruções para dar corda no relógio 
Pense nisto: quando dão a você de presente um relógio estão dando um pequeno inferno enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar. Não dão somente o relógio, muitas felicidades e esperamos que dure porque é de boa marca, suíço com âncora de rubis; não dão de presente somente esse miúdo quebra pedras que você atará ao pulso e levará a passear. Dão a você - eles não sabem, o terrível é que eles não sabem - dão a você um novo pedaço frágil e precário de você mesmo, algo que lhe pertence mas não é seu corpo, que deve ser atado a seu corpo com sua correia como um bracinho desesperado pendurado a seu pulso. Dão a necessidade de dar corda todos os dias, a obrigação de dar-lhe corda para que continue sendo um relógio; dão a obsessão de olhar a hora certa nas vitrinas das joalherias, na notícia do rádio, no serviço telefônico. Dão o medo de perde-lo, de que seja roubado, de que possa cair no chão e se quebrar. Dão sua marca e a certeza de que é uma marca melhor do que as outras, dão o costume de comparar seu relógio aos outros relógios. Não dão um relógio, o presente é você, é a você que oferecem para o aniversário do relógio.
Instruções para dar corda ao Relógio
"Lá bem no fundo está a morte, mas não tenha medo. Segure o relógio com uma mão, com dois dedos na roda da corda, suavemente faça-a rodar. Um outro tempo começa, perdem as árvores as folhas, os barcos voam, como um leque enche-se o tempo de si mesmo, dele brotam o ar, a brisa da terra, a sombra de uma mulher, o perfume do pão.
Quer mais alguma coisa? Aperte-o ao pulso, deixe-o correr em liberdade, imite-o sôfrego. O medo enferruja as rodas, tudo o que se poderia alcançar e foi esquecido vai corroer as velas do relógio, gangrenando o frio sangue dos seus pequenos rubis. E lá bem no fundo está a morte, se não corrermos e chegarmos antes para compreender que já não interessa nada."




quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Nota de rodapé








música tetro palco escola livros dança desenho corpo religião papel e caneta amor família meio ambiente política cinema literatura espanhol francês europa américa latina trabalho voluntário sangue pina stan freire brecht boal mirna mabel amigos manifestação azeredo pesquisa docência revolução francesa ideologia cazuza renato titãs paralamas oswaldo montenegro emilio dantas mulungo joão fonseca joão falcão adriana falcão clarice falcão gregório duvivier poesia marginal cep 20.000 chacal leminski manoel de barros liberdade arnaldo antunes marisa monte carlinhos brown novos baianos ellen oléria seu jorge idina menzel barbra streisand rent measure your life in love voz meditação fotografia viagem réveillon todo dia maquiagem  cara limpa roupa folgada vegetarianismo determinação doçura escrita leitura tradução revisão frida dalí walt disney broadway rbd anahí maria clara machado nelson rodrigues nelson motta reticências gentileza amorrr





















Minh'almanseiabarcar mais do que meu braço abraça.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Apropriação indevida

Um dia sem te ver me deixa de olhar vazio. Um dia sem teu beijo não tem cor. Um dia sem falar contigo desreinventa meu idioma. Um dia sem andar do teu lado tropeça minhas pernas. Minha voz não canta, meu corpo não dança, eu sou menos eu. Nem fome eu sinto. Nem sede eu sinto. Só de você. De você.

Vê? Tua presença diária na minha rotina demandaria prescrição médica: é motivada por razões fisiológicas seríssimas. Pessoais e intransferíveis - necessidades que só você pode suprir. Não que eu porte qualquer tipo de doença, mas tua ausência me faz menos feliz.

Não posso ir. E lhe escrevo desejando que entenda: preciso ficar onde você estiver. Preciso descobrir aonde queremos ir. Preciso de uma dose de você todo dia. Na verdade, eu quero é tomar um porre de você, pra ter uma ressaca do teu amor.

Os sintomas? No lugar da dor de cabeça, um bom humor indescritível. No lugar da consciência pesada, plenitude. No lugar do “nunca mais vou fazer isso”, o “não vejo a hora de chegar amanhã”. E amanhã, começar tudo de novo.

sábado, 19 de outubro de 2013

Dia de festa no céu: cachaça e violão!


Porque nem só de RBD se faz uma Luísa Zanni

   Meu amor pelo poetinha tem anos de história. Desde sempre morri de amores por Vinicius - e, ah! Que delícia morrer de amores ouvindo afro samba e bossa nova! Nos trabalhos sobre ultrarromantismo, na época da escola, lembro de ser fortemente inspirada por esse tal de Vinícius de Moraes - um cara que, quando amava, não brincava em serviço. Como disse alguém no documentário Vinicius, o cara era apaixonado por ser apaixonar. E as mulheres se envolviam com ele mesmo sabendo de sua fama de, digamos, galinha. Vinicius era um apaixonado pelos prazeres da vida, e deixava isso bem claro em sua vida e em suas poesias.
   Diplomata, poeta, mulherengo, boêmio, músico, o cara escreveu também prosa e teatro. E bebeu, bebeu, bebeu. E amou, amou, amou. E me fez/faz feliz, feliz, feliz. Tem como carro chefe seus sonetos. Dentre eles destacam-se Soneto do Amor Total, Soneto do Maior Amor e o clássico Soneto de Fidelidade. Não posso deixar de indicar, também, o poema d'O Operáro em Construção: nem só de romance falava o poeta. O que dizer da Arca de Noé, então? Quem não conheceu aquelas músicas tem um buraco na infância!
   Lembro-me de uma vez, num show, ouvir Toquinho zombar: 'como é que um cara que escreve "eu sei que vou te amar por toda a minha vida" se casa nove vezes?'. Mas tudo não passava de brincadeira: Toquinho tem em Vinicius um ídolo e escreveu, junto à Chico Buarque Lindo de  Olhos Mais Lindos Ainda Hollanda um delicioso Samba pra Vinicius. Outra pérola de Vinicius delatada por Toquinho naquele show foi sua alquimia: "eu quero gelo até a boca do copo e uísque até o gelo boiar".
    Lembro-me também de haver comentado com certo amigo extremamente feminista sobre a beleza que é aquele poema, Receita de Mulher. Olhe, por pouco não fui reduzida à pó pela reação de meu amigo. Devo confessar que já não admiro mais tanto esse poema em especial. Mas que fazer com todo o tempo de minha vida que passei admirando? Não me culpo, também. Até pra ser preconceituoso o cara arrasa na retórica! De todo modo, minha paixão por Vinicius não foi mais a mesma nesse 2013 de transformações.
    Até o ano passado, encontrava muita beleza no estar triste. Quer dizer, eu sei que ser alegre é melhor do que ser triste. Alegria é a melhor coisa que existe! É assim como a luz no coração. Mas pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, se não, não se fazer um samba, não. Sofrer por amor, então, era de uma nobreza incomensurável. E olhe, como sofri! E quer saber? Adoreeeeei sofrer. Sofrer por amor era lindo, minha gente! Todo grande amor só é bem grande se for triste, dizia aquela música que foi um hino para mim por tanto tempo. Continuo achando de uma sutileza requintada esse papo de achar bonito ficar triste. Só cansei dessa vida... Resolvi achar muito mais bonito ser feliz e talvez por isso, Vinicius e todo seu supermegaultrarromantismo tenha ficado um pouco de lado na minha vida. Mas, ai, se é uma página virada, que orgulho de tê-la no livro da minha vida!
   Certa vez um músico, pai de uma amiga, me contou a seguinte história: estava recém escrito o musical Pobre menina rica e um de seus amigos e parceiros lhe veio indagar:
- Vinicius, que o moço pobre tenha se apaixonado pela rica menina que observava, eu compreendo, mas... A menina rica se apaixonar por alguém tão pobre não é um tanto improvável?
E o poeta, viniscescamente respondeu:
- Meu caro, era primavera!
   E quem há de questionar-lhe depois disso?
Se Vinícius é machista, caros leitores invisíveis, eis um machista a quem eu amo profundamente (Thomas, não me odeie). O cara é bem maior que qualquer possível defeito na personalidade e até no caráter dele. A obra dele é ainda maior que ele. E por isso, tenho um respeito sem fim por esse homem.

Saravá!
Lu

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

"O ser não é mais que o vir a ser"

O sentimento é medo
E a companhia é amiga.
O desafio é grande
E a recompensa é maior.

O suor é frio
A tremedeira é perna
O medo é medo
De não ser melhor que eu

O lugar tem nome
de passarinho
Os passarinhos
são a voz do lugar.

O sentimento instiga.
O sentimento transmuta.
O sentimento transcende.
O sentimento é coragem.

O medo é passageiro,
A dor é ilusória,
O mantra é dhanyavad
O sentimento é paz.

-

Dhanyavad ananda é um mantra que nos traz a Gratidão. Gratidão é um sentimento que nos traz paz. Ser grato pelo que se tem nos faz esquecer um pouquinho a frustração pela ausência daquilo que gostaríamos a de ter. Esquecer a tristeza é ter felicidade, certo? Certo! A meditação nos possibilita um momento de encontro conosco. É como sonhar acordado. Quem é que tem tempo de prestar atenção na própria respiração, avaliar o próprio caráter? Quem é que tem tempo de sonhar acordado? Quem é que tem tempo de acordar do sonho acordado novinho em folha pra realizar? Quem medita, garanto. E sou grata.

Nem mesmo a falta de lugar apropriado serve de pretexto. Meditar morando numa grande cidade exige concentração, mas o que é que não exige? Mas ainda em meio a tanto barulho de cidade grande, a natureza silenciosa regia sua orquestra de ventos e ondas logo ali, saltando do metrô, virando a esquina do Medo. É só olhar mais fundo para se reencontrar.


SABER :: OUVIR :: CALAR :: OUSAR

Gratidão,
Lu

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Telefone sem fio

As paredes tem ouvidos:
multiplicam o que ouvem por aí.
Os ouvidos tem paredes:
só se ouve aquilo que se quer ouvir.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

No verso de uma apostila sobre fonética e fonologia

Os grandes normais existem desde que se lembre. Eles são quase como deuses: entendem o mundo e sabem viver nele. Todos nasceram pequenos e sem saber o que era ser normal. Crescerem e aprenderam junto ao tempo.

As crianças erram, aos olhos dos grandes normais, o mundo em suas coisas mais óbvias. Distorcem o idioma, gritam intimidades, choram quando contrariadas, correm da mão da mãe, ignoram o perigo. Encantam-se com flores, com cachorrinhos, com o próprio cocô. Mas ninguém as recrimina por errarem: sabe-se que seu pecado é conhecer o mundo há pouco tempo e, por tanto, ainda não terem aprendido a entendê-lo e a viver nele com maestria.

O tempo passa, o que é pequeno cresce, e o grande pode ser normal ou louco. O grande louco erra o mundo, como a criança, apesar de já ter vivido muito. Por algum motivo que mora dentro da própria cabeça, o grande louco peca por não agir como a esmagadora maioria de grandes normais, mas é perdoado quando recebe dos médicos um negócio chamado Diagnóstico. É um passe livre pra ser grande sem ser normal.

Há, entretanto, um grupo de grandes crescidos que não são normais nem loucos. Gente grande que se relaciona poeticamente com a vida, como se jamais houvesse crescido. Gente que procurou médico e não ganhou Diagnóstico, mas que reinventa a realidade como se fosse louco. Costuma-se chamar essa gente pelo nome de artista.

O artista é um maluco com licença poética. Um adulto que finge que não cresceu. É a pessoa que conhece o mundo todo dia pela primeira vez, e faz isso consciente do que faz. É uma pessoa que não desistiu de si, que não gostou de ser normal, que enjoou de ser pequeno, que não ganhou passe livre pra ser louco perante o mundo. É gente que mandou os números e nomes às favas, e, dizem, é bem mais feliz assim.

Lu

sábado, 28 de setembro de 2013

destinatário certo

Vocês que disseram que estariam lá,
Vocês que até choraram de saudade antecipada,
Vocês que, euforicamente,
disseram que estariam comigo:

onde foi que compraram esse chá da invisibilidade?
Quero apenas saber onde foi
- não me interessa o preço
ou possíveis efeitos colaterais.

Só preciso esconder-me de mim.
Não aguento mais notar que sou igual ao que rechaço.
Não aguento mais sentir na pele o que por tantas vezes critiquei.
Não aguento mais concluir que nossa acomodação é a culpada maior de tudo aquilo que julgamos ser vil.

Arre, estou farta de promessas descumpridas.
Onde é que há gente no mundo?

Ah...
Onde é que há mundo na gente?
Onde é que há concreção na nossa gana pueril de fazer diferente?

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Conforme for

To com fome.

Com tanta fome
Que esqueci o r
E a perninha do m
Que deixavam tudo
Nos conformes

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Melodia açucarada

Vou resumir a história.

O dia em que Maryna veio aqui foi um dia mágico. Um dia de música, risadas e cupcakes. É bem verdade que os cupcakes se assemelhavam à miniaturas torradinhas do Quasímodo, mas o som da música e das risadas trouxe doce o bastante para compensar nossa frustração culinária.

A primeira vez que ouvi essa música, só consegui dizer:
- Mary, que lindo! É exatamente isso! Posso gravar sua música?
E a afirmativa iluminou ainda mais aquela noite linda de festa surpresa.

E um mês depois, lá estávamos nós, cantando. Juntas, como se o ensino médio nunca tivesse terminado.
Sorte ainda nos vermos na UERJ.
Destino, quiçá.

"junto a ti creo que aumenté más de tres kilos con tus tantos dulces besos versos repartidos"

Deliciem-se com todo o mel que essa música tem!



Beijos com uma alta taxa de glicose,
Lu

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Simples

Sei que vai parecer clichê
E é clichê
Hoje o sol se esmerou
Em amanhecer
Brilhou sobre mim
O corre-e-corre cotidiano
E eu me lembrei
De quando eu tinha doze anos
E me sentia muito incapaz
Mas não mais
Deixei pra trás
Feridas que eu fazia questão de conceber
Teorias pré-fabricadas pra me enlouquecer
A fome, a quem eu fingia nem perceber
E o tédio de quem ando até hoje a correr

Sei que vai parecer clichê
E é clichê
A primavera se esmerou
Em florescer
Diferenciar cores:
Não sabia, hoje sei
E eu me lembrei
De quando eu tinha 16
E lia Baudelaire e Allan Poe
Mas não mais
Já acabou
O tempo de me aprisionar em livros bons
O medo de não satisfazer-me com quem sou
A ideia de que só o amor triste é amor
A idade de ignorar que o mundo me chamou

Sei que vai parecer sonhar
E é sonhar
Hoje a chuva me convidou
Pra trovejar
Foi quando aprendi
Que amor é só o que me move
E eu me lembrei que ontem tinha 19
Cheguei a duvidar que existe deus
Cheguei a duvidar que existo eu
Mas não mais
Já disse adeus
À morte que não consegue mais me amedrontar
À rima que não quiser ser pobre pra rimar
Ao mundo que não quiser ser grande pr'eu viajar
À tudo que já insinuou que é ruim sonhar

-  
(a quem interessar possa)

Há um mês fez vinte anos que o mundo me existe. À véspera, numa coxia, uma amiga de vinte e poucos me disse ter surtado na sua passagem de 19 pra 20, ao que respondi: pois eu tô achando o máximo essa história de duas décadas. E estava mesmo, até que deu meia noite. Em um segundo, vinte anos pesaram nas minhas costas, ainda que eu não me lembrasse de cada um deles. Pus-me a pensar: oras, vinte anos de quê? Então fiz-me o favor de ilustrar-me em coisas que me são desde que me entendo por gente. Ei-las: música, laços de fita para o cabelo, tintas com as quais escrevi por toda uma parede do meu quarto, o coração de pelúcia de alguém especial, cartas de outro alguém especial, o empoeirado livro das sombras, fotografias - a vó, a prima, a mãe e a melhor amiga; o teclado, a máscara do Zanni (que significa um universo), a Naninha que já secou muitas lágrimas minhas; Bob, o ursinho, idem; o curso de ling do Saussure, fones gigantes de ouvido, agendas e diário, esmaltes, chapinha, aquele batom laranja, a fita métrica com seus números cruéis e a barrinha de cereal, o bibelô de bailarina, o headband, a Hay Lin e um livro dado e recebido com muito amor. Por fim, penso que essa foto me fotografa melhor do que qualquer retrato do meu rosto. Fico feliz ao perceber que nunca deixei de ser eu. Mais feliz ao perceber que mudei tanto. E ainda mais feliz ao perceber que ainda hei de mudar um bom bocado. Hoje não mando beijos:

Um sonho,
Lu


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Discordo (de mim)! - Parte II

A vida toda só me faz pensar no quanto a Vida era mais simples na infância. Lá, sim, eu não podia querer ser nada e tinha em mim todos os sonhos do mundo. Eu era Pessoa e nem sabia disso.

É como aquele poema que escrevi em meu diário numa dessas madrugadas insones: não é que eu esteja infeliz. Muitíssimo pelo contrário! Mas a convicção das pessoas sobre pensarem saber o que é melhor pra mim é algo que me incomoda. Me paralisa. Fico sem jeito, sem retórica, sem argumento. Digo, os contra-argumentos existem - em massa! -, mas ficam todos congelados, perplexos, perante a intolerância de quem só deveria ser abraço.

chove.
é madrugada e estou insone.
sinos esbarram no vento e chega aos meus ouvidos o som de um coro de fadas.
nenhum motivo justifica essa extraordinária ansiedade.

estou feliz e calma. serena.
certa do meu desejo com é certo que as gotas de chuva tocam o chão.
calma ante meu destino como é calmo o som que elas produzem na trajetória.
sou cria, porém, de um tempo em que a prece aflita é, na romaria, a maior canção que se faz ouvir.

um desespero inato me faz elevar em oração minha vontade de que deus se mostre pra mim.
minhas palavras todas saem porcamente da minha caneta,
e sigo feliz e calma. serena.

exatamente como estava antes de desistir de dormir.
só que mais ansiosa. só que menos ansiosa.

                                    




Ah, não... Esse post não é pra ser lido e entendido. Esse post é só um apelo infantil por um mundo onde a maior preocupação das pessoas seja qual cupcake comer primeiro.

sábado, 7 de setembro de 2013

Discordo (de mim)!

Dia desses enviei umas fotos e minhas medidas para uma agência. Nunca quis ser modelo, mas essas agências podem ser úteis para encaminhar atores à mídias onde tais atores tenham mais voz. O fato é que fui chamada para uma avaliação. No lugar, o cara que me avaliou disse que meu rosto é bonito, mas que eu teria que "secar". Segundo ele, barriga e quadril. Chamei mamãe pra me acompanhar e, ao ouvir isso, ela disse: 
- Quadril é genético, não dá pra diminuir - em tom de brincadeira. E o cara:
- Ah, dá sim. É só querer. 

Por fim, me aconselhou a investir em um videobook. Me deu seu cartão e ficou subentendido que, quando secasse, lhe enviasse o videobook e todas as fotos que tivesse. E que providenciasse meu DRT.

Caro leitor anônimo, sou magra. Não magérrima, mas magra. É certo que ganhei cerca de oito quilos nos últimos cinco meses (segundo minha melhor amiga, "namorar engorda, mesmo"), mas nada que comprometa minha saúde ou nem mesmo que me torne gorda, no sentido mais babaca da palavra. Quando mais nova, passei por um distúrbio alimentar e, ao início desse ano, quando tinha cerca de oito quilos a menos, meu corpo parecia o corpo que tinha quando estive anoréxica. Eu parecia doente, e talvez estivesse, mesmo - aquela ressaca amorosa não foi fácil! 

Já sã, engordei para poder doar sangue e "esqueci" de desengordar. Não me preocupei, na verdade. Engordei mais uns quilos além do que precisava pra doar sangue, e não liguei. A anorexia saiu de mim, definitivamente - e afirmo isso com certeza e com orgulho. Doei sangue e não quero voltar a ter menos de 50 quilos. Quero doar sangue mais e mais vezes. Quero me afastar mais e mais da doença.

A questão são as ideologias que divergem dentro da minha própria cabeça. De um lado, entoo mantras e busco praticar o desapego material, me cuidar em corpo, mente e espírito, trabalho para destruir meu ego e as ilusões que vem com ele no pacote. Desse lado, tenho consciência de toda a Maya - de toda a mentira que maquiagem, photoshop, roupas, plumas e paetês criam. E nossos olhos creem, numa ingênua soberba, num mundo aparente feito todo de mentiras.

Do outro lado de mim, entretanto, há uma seção do teatro e de toda arte, de todo palco, que mexe com o meu ego. O mesmo ego que busco destruir dia após dia, rumo à evolução que acredito existir. Imagine como a televisão e tudo o mais não iria mexer!

Disse o moço que eu deveria secar porque tv engorda. E isso é verdade, mesmo. Já me vi em filmagens e sei que sou mais magra do que a tela exibe. Sobre isso, pensei: mas e daí? Quer dizer, e daí se engorda? Qual o problema de não ser esquelético? Qual o problema em ter carne no corpo? Não é esse o normal? Entrar nesse mundo é compactuar com tudo o que eu discordo do sistema. É compactuar com tudo o que um dia me deixou doente. Abaixo de um peso saudável de tão doente.

Suponha-se o seguinte: eu seco os quilos que o homem me aconselhou a secar, sumo com a minha barriga, deixo minha perna dura e meu rosto mais fino. Providencio um videobook, e, com alguma sorte, meu drt e envio-lhe todo meu material ao cara. Sou chamada para uma audição para uma novela na tv. Passo. Ganho o papel, contatos, experiência e uma grana boa. 

Aí, um dia, uma menina de 12 anos, certa de que seus pais não a entendem, cansada dos colegas de escola, insegura de seu potencial liga a tv. Me vê em cena super maquiada, numa roupa caríssima que a emissora enfiou em mim e me admira, sem saber que admira minha personagem, e se entristece, por não ser tão magra, não ter roupas tão legais, não estar tão feliz. Mal sabe ela que, justo naquele dia, eu estava super mal humorada e perdi minha aula favorita na faculdade pra gravar. Mal sabe ela que eu tive que emagrecer pra estar ali e o processo foi sofrido e não me deixou feliz. Mal sabe ela que, por baixo da maquiagem, minha cara é de doente. Acaba a novela e ficam só as inseguranças da menina. E as minhas.

Não é essa a função da arte, sabe? Nem é isso que quero levar pras pessoas. Quero levar o contrário! Quero levar "dá pra ser diferente". Quero levar paz. Quero levar "vamos subverter os conceitos de beleza!". 

Mas não sou ninguém de mais. Quer dizer... Não falo para um contingente considerável de pessoas. Não é como se alguém estivesse me ouvindo. Eu to sozinha. E quero um megafone.

Mas até esse texto aqui, por ser relativamente longo, não vai chegar a muitos olhos.
Eu to sozinha. Tem vários sozinhos iguais a mim. Nossos ideais se perdem em nós mesmos.

sábado, 31 de agosto de 2013

Da selvageria dessa "civilização" e umas tristezinhas consequentes

Hoje vi quatro amigos sentados na mesa de um bar. Todos os quatro entretidíssmos em seus respectivos celulares. Não se viam - não viam uns aos outros.

Hoje vi um morador de rua deitado no chão em frente à uma loja - Enjoy, se bem me lembro. Duas moças olhavam a vitrine a dez centímetros de distância do senhor a dormir. Não o viram (nunca os vemos...).

Hoje vi uma mulher com o semblante alterado - provavelmente em função da ingestão de alguma droga ilícita - ser violentamente agredida por um homem que alegava ter sido assaltado por ela. Não souberam perceber que o inimigo de cada um não estava no outro. Por olharem para muito aquém de si mesmos, não conseguiram transcender sua visão limitada. Pela pressa da urbe determinada que corre atrás sem saber do quê, seus olhos não sabiam parar para pensar. Não se viam - não viam a si mesmos.

Hoje, é bem verdade, vi o sol se por entre sorrisos e amigas. Enchi-me de esperanças e ideiazinhas revolucionárias.

Mas ainda martela uma questão na minha cabeça: o que nós estamos fazendo?

sábado, 24 de agosto de 2013

Suspiro

Texto postado também aqui.

Não sei o que é mais bonito. Se é esse teu olho brilhando o tempo todo ou esse sorriso que irradia felicidade só de ouvir um "eu te amo". Os plurais que você inventas ou você proferindo o meu nome. As sardas pertinho dos teus olhos, tuas covinhas que eu amo tanto ou as caretas que você faz. Meu(s) presente(s) de aniversário ou você limpando minhas lágrimas de ouvir Capitão Gancho. Esse barco (JÁ ESTAMOS A CINCO MESES NESSE BARCO!) ou nosso jeito de remar contra a maré. As canções que me lembram você ou os beijos que ganho sem esperar. Sms o dia inteiro, emails eventuais ou lembranças do nosso futuro descritas em bilhetinhos (e camisas). Os filmes que nós vimos juntas ou os que desistimos de ver pra namorar. Nossas ideias que sempre convergem para a resolução de possíveis divergências ou nossos diálogos que parecem ter sido roteirizados por um autor de renome. A cor da sua pele ou seu jeito lindo de ficar em silêncio e digerir o que te incomoda ao invés de esbravejar. A inutilidade do teu ciúme ou quando você fala que me ama baixinho ao pé do ouvido. Nossas mãos ou nossas pernas entrelaçadas. O cheiro das muitas flores que você me dá ou o teu cheiro. O arrepio que vem quando você me traz, com força e rápido, pra perto ou o arrepio dos cafunés mais delicados. A certeza - maior a cada dia - de que estamos vivendo um filme ou a felicidade de viver no mundo real com gosto de sonho na boca. A receptividade da tua família ou o fato de todos os meus amigos (até os que você não gosta) gostarem de você. Ouvir "ela é linda", "vocês combinam!" ou "ela te faz bem". As cenas que já filmaram ou as que ainda estão escrevendo pra gente. Todo o bom que já foi ou todo o bom que está por vir. Não sei comparar belezas e decidir entre elas. Só sei que toda a beleza que enxergo no mundo tem alguma relação com você.

-

"- Nosso beijo tem som de beijo de filme dublado.
- É pro microfone captar melhor."

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Platônico

Da primeira vez que te vi
não tava nem aí
Você sorriu pra mim

Da segunda vez que te vi
já tava bem aqui
Eu também sorri

E pra te reencontrar
É que eu apresso o passo
Mas eu sou professora
E você é palhaço

Talvez o teu pra baixo
Seja o meu pra cima
Talvez teu dia comece
Quando o meu termina

Mas quem sabe
Eu me encaixo
Na tua rotina

sábado, 17 de agosto de 2013

sem título #10

o artista
intervém
são

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

P/ um casal de velhinhos passeando no Grajaú

Pelos caminhos mais floridos
Eu quero seguir - e vou!
Sem me incomodar em amar
Nem me acomodar no amor

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

"normal"


Quase por inteiro empoeira
o coração
toda e cada vez que um pedinte
me estende a mão.

Foge-me dos olhos
sempre um infinito não.
Nasce em mim, por dentro,
dor à qual não dou vazão.

O cotidiano me adoece
até a visão.
Deixo noutros planos,
fora dessa encarnação

diferenciar o normal do habitual.
Não banalizar,
me humanizar,
ser mais normal.

Longe da noção tão triste
de normalidade
que 'inda persiste
Nessa escrota sociedade

Longe do desejo
ironicamente pobre
De ter rimas ricas saindo
Dos meus confins

Anseio muito pela métrica,
belas rimas, tudo, enfim.
Mas ansear nada adianta
Nem jamais adiantaria

coração vazio
nunca rimou
com poesia

(e mesmo
o coração cheio
não enche cabeça vazia)

- de boa intenção
o inferno ta cheio!
- diz a gente

Mas quisera ser intenção
de um jeito assim
mui diferente

ser algum dia
quem só paz
irradia

à barriga vazia
que não faz
poesia

à barriga vazia
que jaz sem
poesia


terça-feira, 30 de julho de 2013

Ser Cëna

"Ser melhor que ontem". Essa ideia ficou na minha cabeça: talvez seja esse o superobjetivo de qualquer ator nessa peça a que chamamos Vida. Vai que Stanislavski estava fazendo filosofia o tempo todo e a gente sempre achou que era teatro?

Sério, gente. O mundo é diferente do lado de cá da quarta parede. Há mais esperança. Mais lágrimas, também, é bem verdade, mas é o preço de viver com alma. É o preço de viver sendo intensidade. O ator deve se entregar de tal forma ao seu teatro que não há outra saída senão ser teatro. Mas esse "dever" não é uma obrigação: ocorre naturalmente. A relação entre o teatro e o ator é um mutualismo. Um casamento feliz. 

É isso: fazer teatro de verdade é ser teatro. Estar em cena é tornar-se a própria cena. É visceral! Tornamo-nos cenário, figurino, texto. Cada um se torna o elenco inteiro. Eu me tornei cada um de vocês e vocês se tornaram eu. E é só por causa disso que eu tenho conseguido, a cada dia, ser melhor que ontem. Porque, sendo mais vocês, me torno mais eu mesma. 

Somos unidade porque compreendemos que cenário, figurino, texto e elenco tem o mesmo valor. É uma espécie de panteísmo sustentado por um deus chamado Palco. E é com esse amor quase religioso que eu amo vocês e tudo aquilo o que vocês somos.

Partimos do ponto zero - o nada - e voltamos à ele, mas voltamos cheios de nós. Cheios de nós desatados e, cheios, abarrotados, plenos de nós mesmos. 

Pago o preço - as praias não idas aos domingos, o medo de nunca conseguir entrar no personagem, os não-posso-tenho-ensaio, o perfeccionismo desesperado, essa ansiedade furiosa e a espera que parece nunca acabar por finalmente ser a atriz que eu espero ser um dia - à vista e fico ainda mais rica: sou Cëna.


domingo, 21 de julho de 2013

Pr'um anjo chamado Ana Clara

Ana,

   Acabou que não pudemos viajar com você. Sua viagem coincidiu com a nossa, e nós passamos o dia do amigo juntos, sentindo sua falta juntos. Volta e meia alguém dizia "se a Ana estivesse aqui, ela ia dizer não sei o quê". "Ai, que falta que a Ana vai fazer...". "CADÊ A ANA PRA IR ATÉ O CHÃO?". 
   Viajamos. Amigos na estrada rumo a um lugar lindo e distante da barulheira urbana só podia culminar num fim de semana épico. De fato, nos divertimos bastante - do jeito que Dionísio gosta. Apesar da saudade, porque a vida segue. A sua segue, a de cada um de nós também. Até porque, nossa saudade não é cria da morte. Pelo contrário: sentimos saudade de alguém que está bem vivo, e que vai usar toda essa vivacidade pra conquistar mais um sonho. E nos encher de mais orgulho. Mas que você é incrível, conquista todo mundo por onde quer que passe e que vai realizar tudo o que quiser, você já sabe. Ou pelo menos, já ta cansada de me ouvir falar. 
   O que me chamou atenção foi hoje, na volta pro Rio, quando, em meio à indecisão de qual música ouviríamos no carro, fomos unânimes quando o aleatório tocou Charlie Brown Jr. Cecília lembrou bem: foi a música que tocou no vídeo dos seus 15 anos. Aquela festa pra qual você me chamou quando a gente nem se falava direito, mas já dava pra sentir que havia empatia de cara. Aquela festa na qual eu me diverti muito mais do que nas festas de 15 anos da época que eu tinha 15 anos - porque além de talentosa, carismática, dedicada e tudo o que eu sempre disse, você ainda é novinha. 
   "Pra quem tem pensamento forte, o impossível é só questão de opinião", dizia o convite da festa. E desde ali eu entendi que você estava resumida nesse verso. Quando ouvimos "Você deixou saudade", a pele arrepiou, e cresceu um nó na garganta. Mônica leu minha mente: ouvir essa música e lembrar da Ana dá uma vontade de chorar... Era isso mesmo. Antes que ela terminasse de falar, eu já tinha concordado: caiu uma lágrima, depois outra, depois outra... Chorei quietinha. Não solucei, não. Nem chorei de tristeza, ow! Não fica triste aí, não. Chorei de alegria por ter te conhecido. 
    Depois, começamos a supor que, como nem sua família tinha viajado contigo, você deveria voltar nas férias, etc. Foi aí que o danado do Destino botou o rádio pra dizer "mas ela vai voltar...". Nem preciso dizer que meu corpo terminou de arrepiar, né? "Ela tem força, ela tem sensibilidade, ela é guerreira" só deixou mais claro pra mim o quanto aquele momento ali teve a mão de Deus, garantindo pra todos aqueles apaixonados por você que estavam naquele carro - ou seja: todos nós - que a última vez que nós te abraçamos não foi a última vez coisíssima nenhuma: haverá um milhão de outros abraços. Mas enquanto eles não chegam, mostra aí o teu valor pra quem ainda não te conhece. Até um dia!
Com muito, muito, muito, mas MUITO amor MESMO,
Lu




quinta-feira, 18 de julho de 2013

sei lá, é tanta coisa...

Constatei que as pessoas são melhores através da palavra escrita. Na escrita, nos tornamos personagens. Temos tempo pra pensar em qual palavra escolher, no metro, na rima, na estrofação... Parei pra pensar quantas coisas já li de pessoas que não conheço e achei incríveis, admiráveis. Bem... Cada uma dessas pessoas pode trazer em si um imenso mau-caratismo ou cinismo ou soberba ou qualquer uma dessas coisas que eu abomino. E essa dúvida eu jamais vou poder por à prova. Mas aprendi que nossa escrita não é um reflexo fiel de nós. Acho que não existe reflexo fiel. Nem a fotografia, nem a opinião alheia, nem a visão que fazemos de nós mesmos: não são senão resenha de um grande livro que é cada ser humano e seus mil universos particulares de possibilidades de personalidade.

Qual será a ideia que os que me leem fazem de mim? Será que é sequer parecida com quem eu sou, na verdade? É um tanto decepcionante constatar isso tudo, confesso. Passei tanto tempo me apoiando na escrita como se ela fosse um deus benevolente, e eu, pecadora arrependida! Ai, quantas hipérboles cabem nas palavras que não durariam nem dois milésimos de segundo na vida real...

Imagine! Pessoa, Manoel de Barros, Vinícius de Moraes: como seriam? É muito fácil admirar alguém que se apresenta mascarado em poesia. Poesia é maquiagem. Poesia mascara tudo. Ao mesmo tempo que nos salva, que resgata o melhor de nós, nos destrói. Nos inspira a ser bom ou talentoso ou bem humorado como pensamos ser alguém que se deixa derramar em letra impressa mas, na verdade, a razão da nossa inspiração não passa de mero personagem. Admiramos alguém que não existe. Talvez a única "coisa" realmente autêntica seja o ser humano, vivo. Talvez não existam auto-biografias. O autor de uma "auto-biografia" escreve, na verdade, sobre a imagem que ele tem de si. Ou além: sobre a imagem que imagina que os outros imaginem que ele  tenha sobre si. São camadas intermináveis de persona(gem).

É, destino... Quem diria? No finalzinho do período, depois de já ter entregue os trabalhos sobre o assunto, acho que finalmente me apropriei e compreendi Platão. Deixo aqui minha ode a não mais catarses.

ps. daqui a pouco volto a mim, com certeza, devidamente epifanizada por um ou dois versos de Fernando Pessoa.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Carta aberta a quem souber o que é amor

Nunca fui muito namoradeira. Tive as minhas histórias, mas nada que eu não possa contar nos dedos. Umas mais conturbadas do que outras; outras tão leves quanto curtas; poucas duradouras, intensas, ultrarromânticas. Ah: sou leonina. Isso potencializa qualquer sentimento, vale dizer. Mas o foco desse texto não sou eu, senão quem hoje é alvo do meu mais puro amor.

Trata-se de alguém que me dá de presente o livro que eu queria sem se tratar de nenhuma data especial. "Feliz você!", ouvi, antes de ganhar um lindo Leminski. Alguém que engole a vergonha e se declara, pra mim, em canção, na frente de todos os nossos amigos e desconhecidos da faculdade. O meu amor é alguém que veste meus amigos com blusas que carregam frases que derreteriam qualquer mortal (e os faz ficar perambulando pela faculdade vestidos assim!). Alguém que compra esmaltes MA RA VI LHO SOS pra mim, e ainda traz cupcake, tudo no mesmo dia. Ah, sem falar no Ferrero Rocher. E nas maçãs justo quando eu esqueço de levar lanche pra aula. E nas flores. E nos bilhetinhos. Nos beijos, nos abraços, nos olhares, nos sonhos compartilhados... Enfim, tudo aquilo que faz dessa história um verdadeiro filme com direito a trilha sonora autoral!

Dia desses, quando meu pai disse, textualmente, "preferia que que você namorasse um garoto", eu percebi como minha cabeça mudou. Como meu amor me deu asas. Em outros tempos, eu pensaria que também preferiria namorar um garoto. Sabe, a vida é bem mais fácil pra quem nada a favor da corrente. Até cheguei a gostar bastante de um ou outro cara, mas nada culminou em nenhum envolvimento muito sério. Até já cheguei a raciocinar assim: "não fico mais com nenhuma menina. Acabou essa história. Não quero mais problema". Mas aí apareceu quem solucionou minha tristeza. Quem mostrou que os problemas tem mais é que ser mudados, e não servir de poltrona pra gente se acomodar. E que por isso mesmo, merece de mim toda a gratidão e todo o carinho que eu sou capaz de oferecer. E que, por isso mesmo, não merece ficar vivendo escondida. Aliás, quem é que merece isso? Quem é que merece fingir ser o que não é? 

Sorte é que o tempo passa, e a gente vai crescendo. O mais lindo de crescer é aprender com os próprios erros. E com o tempo, aprender a nem sequer se culpar por ter errado. Acontece! Não se trata de ser melhor que os outros, senão melhor do que você já foi. Hoje, eu amo estudar o que estudo, amo sonhar o que sonho, e amo gritar meu amor. Sem medo algum de represália. Se vierem represálias, serão combatidas. Eu é que não me reprimo mais em nome de uma felicidade de brinquedo. O amor tem que ser livre. O amor É livre! Se não tiver liberdade, não é amor. Se não tiver amor, não é liberdade. Eu te amo, Laisa. Você me alvedria.



sábado, 13 de julho de 2013

é, papel.
não adianta, não.
cê vai ter que ficar em branco, mesmo, porque não há no mundo todinho palavra que me expresse nesse momento.



































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segunda-feira, 8 de julho de 2013

Empetalada

Bela canção com poesia e violinos,
Bela menina, belo vestido florido,
Bela lua cresce, nova, cheia de sorrisos
Detalhes me lembram do que me faz indivíduo

Sou só uma gota do oceano que é a Terra
Sou taquicardia que meu próprio peito encerra
Somos os caminhos que nos livram das mazelas
Somos o pincel, papel e tinta da aquarela

E ao mesmo tempo, sou o próprio oceano
Sou dias e meses, réveillon ano após ano
Somos tanta coisa abandonada pelos cantos...
Somos tudo aquilo que nos torna mais humanos

A lua é uma bola feita de risos rasgados
A vida é uma teia de novelos desatados
O mundo é o templo dos que são apaixonados
Sorrisos me renascem quando rimos lado a lado

-


Sempre soube que essa música tinha cheiro de jasmin!

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Carta à livre escrita

Oi, querida

Há quanto tempo não nos vemos, hein? A Revisão, a Pontuação e os Parágrafos, aqueles danados... Não me deixam em paz. Perturbam o coitado do Perfeccionismo o tempo inteiro. Mas olha, vou confessar, sabe o que acaba acontecendo? Acabo não dando conta de nada.

Pois é... Estranho, né? Muitas coisas estranhas tem passado pela minha cabeça e pela minha vida. Deve ser a tpm. Há de ser! Embora eu tenha posto a culpa de todos os meus desgostos na tpm por todo o decorrer do último mês, mesmo quando a coitadinha não tinha nada a ver com isso.

Mas chega de ser digressiva. Como estava dizendo, coisas estranhas. Paradoxos. Vontades infinitas não cabem em pacotinhos de tempo cruelmente divididos de 24 em 24 horas. Anseios, desejos de abraçar o mundo me inundam e eu transbordo deles, porque não consigo me conter. Não consigo contê-los. Não consigo conter meus próprios sonhos no tempo em que me foi dado. Cronos é mesmo um deus muito exigente.

Me sinto bem e mal dentro de uma casa que não sinto como minha. Me sinto bem e mal dentro de um corpo que não sinto como meu. Vejo fotos de alguns meses atrás e chego a olhar admirada e invejosa para a minha própria imagem. Será que esse fantasma ainda volta a me perturbar? Choro do lado de quem só merece meu riso, rio na frente de quem provoca meu choro. Minha auto crítica é severa e me condena, e me lembra que não existe honestidade parcial.

Me lembra que ou se dá a cara a tapa ao que se acredita, ou não se tem ética. E que tem que ser assim mesmo, 0,8 ou 800, pra ninguém ficar na duvida de quem é quem. Me perdoem, deuses: sou contraditória. Sou medrosa. Sou pequena. Decerto cabe em mim ao menos a vontade de ser grande, ou de ser maior, o que já seria uma boa coisa. Mas ainda não basta. Não, respeitável público, não basta.

É... Acho que não dou mais pra essa história de escrever sem pensar. Até minha escrita livre é mecanizada. Como penseiescrevi certa vez, estou precisando por a alma pra quarar. E ninguém pode me acompanhar nessa trajetória. Nem sequer o Amor. Nem sequer o meu amor. Existe uma viagem para dentro de mim que só eu posso realizar. Pois bem, estou pronta.

Me despeço aqui, querida. A vida adulta chegou e, conforme eu suspeitava, quando ela chega, é pra ficar. Portanto, lamento não ter tempo de sobra para dedicar às minhas lamúrias. Lamento, mas tenho que ir. A vida lá fora chama. Quem sabe mais tarde eu olho pra mim?

Apressada,
Lu

segunda-feira, 10 de junho de 2013

hai caí

eu sou
(f)ilha
do mundo

-

Sou mesmo, triste conclusão. Dentro ou fora de parênteses que me impõem - nas quais por vezes aproveito pra me esconder, pra respirar, pra retomar o fôlego e seguir em frente -, sou filha e ilha, ao mesmo tempo, de e em todos aqueles e tudo aquilo que está ao meu redor. O próprio mundo é ilha, pedaço de continente separado de si mesmo. Por que eu, pobre mortal (?), não haveria de ser? Sou (f)ilha de tudo, como todos. Sou (f)ilha até de mim mesma.

Sou, mesmo, triste conclusão. Mas não sou conclusão conformada. Enquanto o inconformismo ainda me pegar de jeito, continuo nesse relacionamento conturbado que é a vida dentro desse planetinha bitolado. Que fique claro que não desisti de morar num planeta que mereça ter dicionários nos quais os verbetes "liberdade" e "utopia" não sejam sinônimos. Não desisti.

Evoé!

domingo, 2 de junho de 2013

Amor feito com poesia

Para Palas Atena

A moça tinha vinte e poucos sonhos. Cachos muito dourados caíam-lhe poeticamente dos cabelos. Tudo lhe era poético, aliás. Caminhava que parecia câmera lenta. Era como se o vento oferecesse maior resistência ao seu corpo do que aos demais corpos (talvez até o vento gostasse dela, e quisesse esticar ao máximo o tempo em sua presença).

Como devagar andava, devagar olhava as coisas, o mundo, as pessoas. Devagar ouvia até mesmo palavras como "pressa". Demorava a entender as coisas, o mundo, as pessoas. E se demorava a entender pela cabeça, que funcionava devagar, sentia depressa pelo coração, que pulsava rápido e com força, dando-lhe a sensação de trazer no peito uma escola de samba.

Queria ser musa de algum jovem aspirante a poeta, e o era de muitos, sem saber. Não sabia se acreditava em deus, mas sabia que ao menos uma deusa havia de acreditar nela. Certo dia - especificamente numa terça-feira de céu ensolarado e azul -, o destino achou sua menina.

Assim que o viu, foi tomada pelo encantamento. E, justiça seja feita: tratava-se de um belíssimo representante da espécie. Alinhado. Tradicional. Quase quadrado, na verdade, e recheado da mais fina forma de expressão de nobres sentimentos. A imagem dele invadiu-lhe os olhos, e seu fôlego esvaiu-se num só suspiro involuntário. Se aproximou vagarosamente, sedutora. Tomou-o em suas mãos e, assim que sentiu seu cheiro, desejou pertencer a ele, e que ele pertencesse a ela. Para a própria sorte, não teve de enfrentar qualquer tipo de resistência. Segurou-o com firmeza, decidida a explorá-lo por inteiro. Devorá-lo. Ansiava por captar sua essência. 

Aproximou-o de seu rosto, lentamente, e ficou, por alguns segundos, apenas contemplando seu amor recém descoberto. Observando. Absorvendo. Admirando. Prevendo, sabendo de antemão todo o prazer que podiam propiciar um ao outro. Finalmente, pensava a menina, finalmente me sinto livre! E foi da liberdade que sentiu que a invadia que tirou coragem para mergulhar nele sem qualquer pudor: olhou-o por dentro. Amou-o em plena luz do dia. Marcou suas orelhas como que para explicitar aquela relação de amor e posse há poucos minutos subentendida. Fitou-o novamente. Sorriu, entre maliciosa e ingênua. E então, deu-se o ápice daquele inusitado encontro: apesar de toda aquela gente ao redor, a menina desvirginou aquele livro apaixonante, página por página.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Hace un mes se ha muerto mi abuela

Que não se pense que não sofro: sofro com a distância. Não me adapto ao tic tac. Dizem que isso faz parte do crescer. Ai, que falta sinto dos recreios! E que saudade imensa da Soninha!... Nossa tia Nastácia particular. Dividir o lanche com a melhor amiga.... Calcular o valor de dois mais dois, fechar o caderno e ir ver desenho até a hora de ir pra escola. Na escola, continuar brincando. Correr, subir em árvore, ser boa aluna sem saber como, porque ou o que isso significa. Ser feliz sem propósito. Todo dia, um depois do outro, cada um mais iluminado que o anterior.

Eu queria mesmo era uma máquina do tempo. Mas para ir e voltar sempre, que brincar de gente grande tem também seu lado bom (meu lindo amor, você entra aqui). Queria vovó contando história pra desanuviar minha cabeça. Queria ela por perto mesmo sabendo que não ia lhe contar nenhuma de minhas aflições.

Queria de vez em quando mergulhar na autêntica infância. Sei que esse ranço que trago dela nunca vai me largar, e isso é que me faz ter a parte de mim da qual me orgulho. Mas queria mergulhar porque, da infância, não havia olhar nostálgico sobre o passado. Não havia essa frustração incorrigível sobre minha incapacidade de acertar sempre, que me atormenta dia e noite. Nenhum "sinto muito" vai corrigir nada. Não enquanto eu não aprender a desculpar a mim.

ps. sorte ainda ter a poesia pra me servir de ladrão.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

3 segundos.



Saí do trabalho. Fugi pra casa. Li a minha, sua, a nossa música, e imaginei você comendo macarrão e compondo essa música, me desenhando em cada palavra. Resolvi ir de ônibus a aula. Queria ver gente, um pouquinho do céu. De propósito peguei o ônibus que mais dava volta. sentei bem na janela. Aquele vento. Não liguei se estava atrasada, ou que meu cabelo ia bagunçar. A paralisia tomou conta de mim quando descendo um viaduto vi o por do sol. Como se Deus quisesse me presentear. Em 3 segundos o mundo parou, e eu me lembrei de você sorrindo e me recebendo com um cafuné. Lembrei da sua testa franzida me dizendo para não fazer cócegas, me lembrei de como tenho a certeza de uma vida inteira com você. Durante esses 3 segundos, lembrei de você. Sei, é incomparvável. Mas assim como aquele por do sol no onibus, Deus me presenteou você. Assim que pisquei os olhos, e o céu continuou a girar só tive tempo de fotografar uma memória: você.






P.s.: Eu confundi o chão com mar. Essa imagem é como uma lembrança.
O que ela é pra mim, é outra coisa pra você. Do que é feita a nuvem? De lembranças.


sábado, 11 de maio de 2013

Um único tom de laranja

Neon. Assim é a capa de Toda Poesia, a compilação "definitiva" da obra de Paulo Leminski. A capa obviamente nos chama atenção, mas o tesouro que ela guarda é mais discreto e singelo: trata-se da mais fina poesia. 

Leminski é daqueles poetas que habitam o inconsciente cultural brasileiro. Não há filho deste solo que nunca tenha lido ou ouvido "A vida é bela, basta apenas olhar pela janela". Leminski faz parte da nossa bagagem tal como o fazem: versos do hino nacional, citações populares de Clarice, trechos de canções de Tim. Mas a obra de Leminski vai infinitamente além do que os clichês alcançam. É de uma sensibilidade e simplicidade que causam frisson. Não é à toa que tal antologia tenha sido capaz de superar as vendas de 50 tons de cinza, trilogia que fez um sucesso estrondoso por aqui. Paulo, em seus versos, faz poesia sobre amor, sobre metafísicas, sobre questionamentos humanos tão inevitáveis como a própria existência.

Publicado neste ano de 2013, o livro está nas vitrines de diversas livrarias custando em torno de R$30. Belíssimamente editado pela Companhia das Letras, torna quase palpável a tão concreta poesia de Leminski. São mais de 390 páginas de poesia colhida madura do pé, além de uma apresentação de Alice Ruiz, poetisa e esposa de Paulo; um apêndice com comentários sobre Paulo escritos por figuras como Caetano Veloso, a própria Alice Ruiz e o próprio Paulo Leminski; e um índice de primeiros versos (muito útil, já que rara vez os poemas de Leminski acompanham títulos). Destaque para o comentário tecido por Leyla Perrone-Moisés, entitulado "Leminski, o samurai malandro", do qual não posso evitar transcrever pelo menos esse trecho: "Leminski já foi e já voltou, e quem não percebe a inteireza de suas meias palavras ainda nem saiu de casa". 

Leminski é, sem dúvidas, um ourives da linguagem, como o tentavam ser os poetas paransianos, mas sem a pretensão de sê-lo, o que, em minha humilde opinião, o torna muito mais poeta do que muitos dos ditos poetas aclamados por aí. O cara brinca de fazer poesia, mas brinca sabendo que brincar é coisa séria, e nos deixa de herança viagens pelos mundos do amor, da incoerência, do concreto e do zen.

É possível enxergar as figuras que o autor cria quando se propõe a ser concreto, cimento, palpável.

"aqui

nessa pedra
alguém sentou
olhando o mar

o mar 
não parou 
pra ser olhado

foi mar 
pra tudo quanto é lado"
 

(Não sei quanto aos demais, mas a mim chega até o cheiro da maresia depois de devorar os versos acima).

Além de tudo, o curitibano possui uma humildade que só o torna ainda mais admirável. Leminski deixa claro que para se fazer poesia, bem como para a felicidade, não se necessita muito. 

"inverno
primavera
poeta é quem
se considera"

-

"(...) nada tão duro
que não possa dizer
           posso"

O poeta é como criança, parece brincar o tempo inteiro. Mas escolheu a linguagem para brincar.

"(...) ali
bem ali
dentro da alice
só alice
com alice
ali se parece"

-

 "sol-te"

-

"se 
nem
for 
terra

se
trans
for 
mar"

Transparece, apesar da grandeza de seu talento, uma certa insegurança que, há quem diga, é inerente ao bom artista.

"eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito

eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões

em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois"

-

"(...) vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia"

Para não se dizer que ele só faz poemas curtos, "a lua no cinema":

"A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas, que, quando apagam,
ninguém ia dizer, que pena"

Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!"

E pra finalizar, um poema que foi musicado apresentado pela Zélia Duncan no Música de Bolso, misturando em um vídeo só três paixonites minhas:


(Também vale a pena conferir UTI e Oração de um suicida).

Faixa preta no judô, o poeta-crítico-professor ocupa um lugar de honra na literatura. Como não fosse o bastante, Paulo escreveu diversos ensaios. Dentre eles, um sobre Poe (disponível aqui), o que, por si só, já seria o bastante para me fazer simpatizar com ele. Ao mesmo tempo tempo, Poe ser merecedor de um ensaio de Leminski também me dá mais gana de ler Poe. Aproveitando o ensejo, registro aqui que foi com muito gosto que escrevi a presente humilde resenha sobre a obra de Leminski, e que devo postar um trabalho que fiz há algum tempo sobre o maldito poeta d'O Corvo. Ai, deuses da poesia. Lerescrever é bom demais da conta!

incenso fosse música
"isso de querer
ser exatamente o que a gente é
ainda vai nos levar além"

Depois de tanta poesia, nem precisa de beijo, né?
Luísa Zanni