quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

frágil

Nesta noite interrompida
Pelo sol que hoje se ergueu
Uma quimera enraivecida
invadiu os sonhos meus

Respondeu ao meu relato
a amiga sem piscar:
os sonhos dizem um fato
- tu tens medo de arriscar

Da moça a me interpelar:
Seu falar me confundiu
Tudo rápido demais
e num instante sumiu

-
O ciúme é uma pedra de gelo que se aloja na nossa garganta. Comprime as cordas vocais. Desacelera todo o metabolismo. Nos deixa frios. Desconfiados. Os olhos são atentos, mas nada se enxerga, de fato. Isso porque o ciúme, quando muito grande, se espalha por todo o corpo e congela o cérebro. Desfunciona toda a nossa capacidade de sinapse. Em linguagem vulgar, tornamo-nos burros. Incapazes de reagir à coisas cotidianas que acontecem a um palmo do nariz.

O ciúme é uma doença autoimune.

E a única forma de destruí-lo é com um clichê: através de um severo aquecimento do coração, o calor se espalha pelo corpo e o organismo recobra sua capacidade motora, seu poder de raciocínio, sua fala espontânea e o brilho no olhar.

-

Eu tentei. Juro que tentei. Tenho tentado entender o que se passa dentro de mim, mas não consigo. Não sei por onde. Não sei quais descaminhos tenho que traçar até tirar de mim tudo o que não sou eu. Não chamaria de ciúme. Não tenho motivo para enciumar-me. Não me arrependo de nada do que fiz ou do que não fiz. E sei que fiz valer o meu amor enquanto existiu paixão. Portanto, sei que o que sinto também não é remorso.

Acho que o nome disso é solidão.


Mas não tem a ver com não ter ninguém a meu lado. Tem a ver com eu mesma não estar comigo.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Cíclica

Era final de período quando nos conhecemos. Antes mesmo de lo nuestro virar namoro, vivemos aquele amasso memorável no sofá da casa do teu amigo. Lembro que antes de ele ir dormir, estávamos naquele mesmo sofá, comportadíssimas, assistindo A Invenção de Hugo Cabret. Não terminamos de ver o filme, e eu jamais havia ouvido falar nele desde então. E hoje, cá estou eu num sofá, novamente fitando A Invenção de Hugo Cabret e, novamente, não há a menor pretensão de terminar de ver esse filme. No momento, aguardo apenas minha amiga encontrar a primeira temporada de New Girl para assistirmos.

É final de período agora também, mas, apesar do sofá e da sexta feira, não haverá qualquer amasso nesta noite. Nada de amasso, nada de Hugo Cabret. Só duas amigas assistindo uma série leve e divertidíssima entre pizza, Hershey's heteronormativos, uma york shire chamada Lucy e comentários sobre aquele cara que nem beijava tão bem assim. 

Talvez só eu no mundo percebesse as coincidências tão sutis dessa situação. Mas o que me chama atenção mesmo é o quanto a vida é cíclica. Esse jeito da minha história se escrever sempre sem dar ponto sem nó nunca para de me fascinar.

Isso me remete àquela noite mágica da formatura da Guta. Dancei a noite inteira, cheia de champanhe e amor por aquele lugar que outrora havia sido cenário de uma noite tão tristonha. Hoje, como naquela noite, me sinto feliz por não ser mais a menininha frágil que tanto se deixou abater por aquela ressaca amorosa tantas vezes mencionada em bebedeiras e madrugadas sob a nobre companhia de Álvaro de Campos... Não sou Jess Day chorando copiosamente por lembrar do babaca do Spencer enquanto assiste Dirty Dancing. Se é pra ser Jess Day, sou Jess Day imitando um pato na pista de dança de uma festa de casamento, absolutamente imune ao destrutivo medo do ridículo.

Decerto chorei e sofri pela nossa despedida, meu bem. Você sabe... Sofreu e chorou também. Eu vi. E compreendo. Era um filme tão bonito que dava vontade de ser para sempre elenco dele, e nunca mais fazer nada além de cantar para você e beijar sua boca. Mas uma atriz precisa saber se desapegar de um papel. E o filme acabou.

Na maior parte do tempo eu tenho lidado bem com essa informação. Mas sinto sua falta na hora de dormir sem cafuné, na hora de ficar bestando na Letras ao invés de ir te visitar no estágio, na hora de acordar sem sms de bom dia, abrir uma garrafa de rosca ou de esperar o 711 sozinha no ponto depois da aula. Mas aprendi tanto contigo que seria traiçoeiro deixar a tristeza me impedir de fazer jus aos aprendizados. Não vou mais sofrer por trás do batom vermelho. Eu mereço mais sorrisos gritados. E você também.

Lembrei de algumas coisas que aconteceram no futuro.

Amanhã, vou errar o lado da General Roca que me levaria mais rápido até a minha casa. Vou ter que parar quase no Batista Shepard para me dar conta de que estou no caminho errado. E então vou concluir, pela milésima vez em 20 anos, no meu melhor jeito clichê de ser, que preciso me perder no geográfico para me encontrar no existencial. Preciso me perder no mundo para me encontrar num (outro) grande amor. 

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Gratidão

Essa carta é para a Tábata, que quando soube que meu namoro terminou disse: “ah, não, Zanni! Eu leio seu blog!”. Então, esse texto é para deixar bem claro que a poesia e a beleza sempre vão encontrar portas abertas aqui, independente do que estiver acontecendo na minha vida e no mundo.Dedico à Tábata, mas remeto à outra pessoa:


Laisa,

O último fim de semana teve muitos momentos de profunda tristeza, embora eu tenha rido bastante, também. Amigos são parte muito importante da vida, né? Bem, fiquei triste por causa da minha indecisão momentânea sobre tudo o que você já sabe, mas, principalmente, por ter agido de maneira tão rude com você. Não tinha esse direito, você não merecia isso. Sei que já recebi minhas desculpas, mas me desculpe, mais uma vez. Me descontrolei. Mas você me surpreendeu mais uma vez, me ensinando como passar por cima do orgulho e das mágoas e ser grande, ser adulta de um jeito bom, ser madura. Teu colo foi imprescindível. Você foi de uma grandiosidade absurda desde que eu me lembre, mas hoje foi emocionante. E escrevo esta carta para dizer algumas coisas que me fugiram no calor do momento.

Não permita que o escuro e as chuvas te ponham medo e te façam sentir pequena. Você é imensa, do tamanho de deus! Deixe o escuro ser a divindade que vai te ensinar a lidar com teus medos e, quando não der, deixe o relâmpago iluminar teu caminho. E curta o som que o trovão faz, combinado com as gotas de chuva batendo contra o seu rosto.

Confesso que ainda me intriga a falta de uma explicação lógica para o fim de uma história tão bonita. Mas, por hora, pensar que nem tudo na vida precisa de uma explicação lógica me basta. Soubemos viver a beleza que a vida nos possibilitou, e soubemos, embora tendo passado por uma turbulência, reconhecer que chegou a hora do ponto final.

Não, nós não seremos boas amigas. Não é para você que eu vou correr quando a vontade de fazer teatro for absurda, e nem é a mim que você vai recorrer quando não estiver mais aguentando estudar português. Mas é para você que eu vou sorrir quando, daqui a alguns anos, nos encontrarmos na plateia (quiçá no palco) de alguma montagem incrível de uma peça do Chico, as duas com filho pequeno (que criança tem que aprender desde pequena o que é bom!) e coração tranquilo. Amor do lado. Sorriso no rosto.

Mais de vez me flagrei assistindo uma história em que o casal rompe o relacionamento de uma maneira bizarramente leve e bonita, e dizendo, inconformada: “isso nunca aconteceria na vida real!”. Pois acontece. Aconteceu comigo. Ah, você sabe! Você estava lá! Ainda bem.

Prometi (digo, jurei juradinho) tentar não sofrer com receio de prometer não sofrer e não conseguir cumprir, mas agora sei que consigo. Sabe, chorei no ônibus a caminho de casa. Mas chorei sem peso, que nem choro quando ouço uma música que acho bonita. Porque é exatamente isso que sinto: toda vez, daqui pra frente, em que eu lembrar do que a gente viveu, meu olho vai encher d’água, de emoção transbordando, que não dá pra conter. Porque nossa história é uma das músicas mais lindas que alguém já sonhou em escrever. Mas toda música tem seu fim. Ainda bem. Porque aí a gente pode sair pela vida praticando o que aprendeu.


Com amor alvedriado,
Luísa

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Portuñol

(estudo para canção)

Casi 24 horas lejos de casa
Quizás casi 20 años lejos de mí
Já nem sei há quanto tempo voo sem asas
Nem há quanto tempo o riso não me sorri

Sé muy bien porque todo eso me pasa
Sei que eu fui rude e já me arrependi
Pero al menor de los miedos mi voz se calla
Temo cometer errores que ya cometí

Pergunto: cadê o beijo que sempre encaixa?
Cadê a coragem que me alvedriou?
Cadê as canções, o sexo, cadê a raça?
Será que o nosso longa encurtou?

Era comédia romântica e virou drama
Minha professora bem que me avisou:
"Estudia pa' la evaluación de esa semana
No olvides de ejercitar transposición"

Quisiera decirte que no importa que pase,
Si hay un rumbo nuestro o si eso se acabó
Pero quisiera decirlo personalmente
Para que não se duvide desse amor

No me- no me conozco
como me ha dicho un ángel más viejo
no re- no reconozco
a esta chica del espejo

ya no me reconozco
ni en mis viejas fotografías
quizás
quizás Narciso se reconocería

sábado, 11 de janeiro de 2014

Registros cotidianos

Tem aqui no blog a etiqueta "fotografia", mas eu quase nunca posto nada com essa tag. E como nos últimos dias brinquei um pouquinho com a minha Nikonzinha amada aqui dentro de casa, mesmo, eis o resultado:


As analógicas liiiindas de morrer que herdei da vovó. <3

obs: se alguém souber onde no Rio de Janeiro eu compro filmes de 120mm por um preço bacana, fico agradecida.

Eu sendo poser com a Koroll II + minha parede amada


 Marani modelando


Respectivamente, Cachorrão e Bob - já velhos de guerra - pegando um solzinho

As plantas da mamãe. Queria que desse pra sentir o cheiro da arruda e do alecrim.

(foco na tartaruga-grama que a Marani come)

Meu incenso favorito...


 ...acendendo....

...aceso. (:   sdds manicure
Esse incenso foi o pano de fundo de uma meditação boa como eu não vivenciava há tempos. O mantra foi wahe guru, e eu cheguei a sentir realmente uma alteração física, como se meu corpo de fato estivesse banhado pela maravilhosa luz que o mantra invoca. A numerologia me indica esse mantra pra entrar em equilíbrio comigo mesma. E olha, vou te dizer: funcionou. Foram 15 minutos de êxtase.

A janela mais maravilhosa desse Brasil - a do meu quarto, evidentemente. Usei sem querer o auxiliar de panorâmica, mas acabou ficando bem legal. *-*

Acho a fotografia interessante por ter o poder de eternizar momentos e até sensações que não vão poder ser experienciadas novamente da mesma maneira que já foi um dia (para mais informações, favor ouvir "Como uma onda no mar", do Lulu). Fotografo como desenho: sem técnica nem pretensão ne-nhu-ma, apenas porque me dá prazer.

Vejo a fotografia sempre como uma espécie de autorretrato. É absurda a quantidade de coisas que ficam implícitas sobre alguém se olharmos o que essa pessoa escolhe fotografar. É pensar o seguinte: se seus olhos tivessem zoom, no que eles focalizariam? Isso é a fotografia. É uma máquina de congelar o tempo. É o exercício de estar presente. 

.
Beijos congelados!

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

2ª chamada - Sociologia da Educação

Isso é insano.

A gente lê e não tem tempo de pensar sobre o que leu: outra leitura me atropela antes que eu pense. Antes que eu bote o nariz pra fora de casa e diga “ei, estranho! Li um livro muito bom esses dias, gostaria de te indicar”. E mesmo nas raras vezes que nos obrigamos a ter esse tempo, dificilmente haverá alguém – estranho ou conhecido – disposto a jogar umas duas horas “fora” numa conversa sem objetivos.

Para isso, é necessário matar aula. Dormir tarde. Fazer cara feia pra ninguém chegar perto. Só aí então temos direito ao silêncio. À solidão saudável. À quietude.

Porque, durante as férias, fins de semana e feriados, tanta coisa nos obriga a sair de casa e sorrir sem os olhos, tantas fotos pedem para ser tiradas, tanta felicidade pede para ser exibida, tantas risadas precisam sair de nós depois de um longo período estudando num sistema maçante, que não temos tempo de ficar sozinhos. Não temos tempo de brincar de sério com o espelho. Nem tempo de rir pro espelho, que é o que torna brincar de sério uma brincadeira.

Só rimos pro espelho pra ver se fica bem na foto; se fica bem pros outros, olhando, acreditarem que estamos felizes.

Não temos tempo nem de saber se estamos felizes!

É insano!                     

Não posso dizer a quem eu amo que não quero vê-los no fim de semana sem magoá-los a menos que diga que vou fazer outra coisa. “Não vou à oficina de teatro porque vou ao piquenique”, ou “não vou ao piquenique porque tenho que estudar”. Aí sim. É necessário que me ocupe. Mas ninguém vai ouvir “não vou ao piquenique nem à oficina, e nem vou estudar porque não consigo. Vou ficar sozinha em casa pensando no que eu quero. Em quem eu sou. No quanto eu posso. Desculpa, mas fica pra próxima”. Não digo isso sem ver caras feias. É inconcebível ficar sozinho fazendo nada por escolha própria.

Porque não estamos acostumados a pessoas que se sentem bem sozinhas, consigo mesmas. Não tivemos tempo para acostumar.

É insano ter que escrever quatro páginas para resumir uma apostila sobre a vida de Durkheim. É insano que eu seja obrigada e não convencida a ler esse tipo de coisa. É insano porque não é isso que meus dedos querem escrever. Sociologia da educação é incrível, mas não é nisso que eu tenho conseguido pensar. O que é insano porque trabalhos têm prazos de entrega.

É insano que passando do prazo isso comprometa minha nota, como se um número medisse o valor do meu saber. É mais insano ainda que sempre tenha sido assim.

Eu quero saber é o que Durkheim tem a dizer sobre isso tudo.

E isso tudo não tem nada a ver com facebook nem twitter nem qualquer rede social esquizofrenizante que ainda venham a inventar. Essas plataformas só pioram o estrago. O vírus ta no seio dessa sociedade maluca, corrida, que exige que a gente esteja em atividade o tempo inteiro e permite uma média de seis horas de sono por noite para nos prepararmos para um mercado de trabalho que muito se assemelha ao inferno.

O problema não ta nem na correria... O problema ta em como lidamos com ela e em como não lidamos com nós mesmos nem com os outros.

Quando paramos de nos conhecer? Será que algum dia já nos conhecemos?

Não sei de muitas coisas.

Só sei que esse texto que eu acabei de cuspir na cara de quem estiver lendo agora é bem mais sincero do que o meu trabalho de sociologia.

E eu devo passar com louvor em sociologia.

Mas não devia. Não tenho coragem de mergulhar na loucura que é essa sociedade. Tampouco tenho coragem de me isolar dela.

E "tudo o que importa" é que eu terminei a prova a tempo.
(Pff).

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Secretária eletrônica

O menino digita oito números aleatórios e espera enquanto o telefone chama. Atende uma voz feminina, mecanicamente:
- Alô?
- Fala pra ela, moça! Fala que eu to precisando ficar sozinho, sambar no escuro, cantar pra dentro. E olha que já faz tempo... Preciso nem lembrar que existe mais gente no mundo, pensar em quem eu sou, no que eu quero, no quanto eu posso. Fala que eu fiquei magoado desde a primeira vez que ela reagiu ao meu encantamento com um livro como se fosse uma grande besteira. Fala que não é besteira! Fala que não adianta nada ser apegado ao desapego. Fala que eu to tentando entender isso... Explica que algumas coisas tem valor não por custarem noventa moedas, mas porque foi difícil juntar noventa moedas havendo tantos outros gastos mais urgentes. Fala que eu vou defender o que fez parte do meu passado com unhas e dentes porque foi isso que me fez ser quem eu sou. Fala que eu não vou ficar feliz com vários quase-dez se tirar cinco e setenta e cinco em uma prova, e deixar duas questões em branco na outra. Faz ela entender que não vou ficar contente enquanto não for bom em tudo. Fala que é quase insuportavelmente difícil essa batalha que eu travei contra o meu ego. Fala, moço! Fala tudo e não a deixe ir embora porque eu não sei falar sem fazer drama. Fala do seu jeito porque deve ser melhor que o meu. Fala porque eu não to sabendo mais falar.

Ouviu-se o som taxativo do bocal do telefone batendo na base. A moça foi. Apaixonou-se pelo amor do menino e foi correndo, desesperada, sem saber pra onde. Sem saber com quem devia falar. Contou o que ouvira em poucas palavras, à sua cândida maneira, a todas as pessoas que encontrou na rua. Assim, tinha certeza, aquelas poucas palavras que resumiam todas as tantas palavras que um menino desconhecido lhe chorara ao telefone, chegariam aos ouvidos da misteriosa menina-alvo
.

Mas o menino não sabia desse ímpeto. Sentiu-se até mais sozinho do que antes. Quando percebeu que não havia mais ninguém lhe ouvindo, chorou, chorou e chorou. E dormiu três noites seguidas de tanta tristeza.