sábado, 1 de outubro de 2011

Maquiagem de palco

Depois de assistir os vídeos da Shakira no Rock in Rio, morrendo de vontade de ter estado lá, só poderia escolher Inevitable pra acompanhar esse conto.

   Era um espetáculo infantil. Ela se destacava na platéia por não estar ali acompanhando uma criança, e sim, sozinha, no fundo do teatro, vendo a peça por vontade própria.
   Também por vontade própria, ela aplaudiu de pé, com força, ao final do espetáculo. Lágrimas rolavam pela pele clara, como prisioneiro que foge enquanto o sentinela dorme.
   E também como prisioneiro, sorrateiramente ela deixou o lugar, pois não havia mais nada a ser vivido ali. Mas eis que, no caminho, sente um toque em seu ombro. E ao virar-se por instinto, dá de cara com ele, é claro.
   - Obrigada por ter vindo - disse-lhe, entre cauteloso e ofegante.
   - Não tem de quê! Eu adoro teatro - pausa - Você é um ótimo ator. Parabéns. - retrucou em tom blasé, tentando disfarçar a surpresa com cinismo.
   - Para com isso, vai.
   - Não. Para com isso você. Para de tentar me fazer acreditar que tem jeito. Para de prometer retorno sabendo que eu vou esperar e que você não pretende cumprir suas promessas. Para de fingir que faz questão de mim quando não faz. Para de criar um clima de proximidade onde a distância impera. - cai uma lágrima - É uma pena que eu te ame, mas o fato é que amo, e ponto. Já entendi que quanto mais eu tentar bater de frente com o que eu sinto, mais eu vou sofrer. Já aceitei meu fardo: te amo. Te acho incrível! E vou te ver crescer de longe, você nem vai me notar. Não quero atrapalhar sua vida... Não vou mais exigir que me dê atenção. Nem esperar que se importe com o silêncio ao qual submeto o meu amor. - ela ponderou e se corrigiu - Quer dizer, lá no fundo, na verdade, vou sempre esperar que você corra atrás de mim e que faça por merecer minha confiança. Porque eu te amo, e todas as expectativas do amor partem do desejo de ser correspondido. Mas tudo bem, você é mais importante pra mim do que eu pra você. Ninguém tem culpa disso. Eu te amo, e daí? Acidentes acontecem. E a minha vida não está fadada à infelicidade por um sentimento extraviado.
   - O que você quer? A gente marca de sair, você escolhe quando e onde, a gente pode...
   - PARA! - eles se entreolharam, tristes - Chega! Eu não vim aqui pedir nada, tá bom? Não ia nem falar contigo. Vim aqui pra te ver em cena, só isso! Você pode me considerar uma fã, mais nada. Pode fingir que essa conversa nunca aconteceu, não faz diferença. - ela desistiu de conter as lágrimas, e tirou da bolsa espelho e maquiagem - Mas já que eu comecei a falar, me deixa terminar. Só ouve, tá? - o choro cessou - Sabe, a gente não escolhe a quem amar - passou corretivo sobre o rímel borrado - O amor é um negócio que acontece quando a gente tá desatento. E quando a gente se dá conta, pronto. O amor já se instalou em você, e não tem feitiço que faça ele se desinstalar - retocou o delineador tentando conter o tremor nas mãos - Às vezes o mesmo amor brota em duas vidas diferentes, e é bom. Às vezes o amor por alguém não vinga no outro, e aí é ruim pra quem ama, porque sofre. Amor é gratidão, admiração, lealdade, respeito, confiança. Mas amor é ciúme, também. É cobrança, é expectativa. Quando se sofre por uma paixão platônica dói, porque não é bom querer alguém que não te quer. É um soco na auto-estima. Mas tudo que envolve amor, dói mais. O amor é gêmeo siamês da amizade. Um não existe sem o outro. E dedicar a sua amizade a alguém que não tem tempo pra você, é de dar pena. Só que eu cansei de ter pena de mim por sua causa. É muito desgastante cuidar do meu sentimento por você e ainda ter que cuidar do seu sentimento por mim. Eu vou continuar a minha vida, porque nada nesse mundo é capaz de me parar. E vou ser muito feliz, porque vou fazer por onde. Vou desejar sempre que você tenha calma, sonho, força e sucesso - exagerou no blush pra disfarçar a palidez. - E se algum dia você quiser, pode me procurar, pra dividir uma alegria ou uma tristeza. Mas, ó, não precisa fingir que é recíproco não, tá? Se não, vai ficar difícil te amar assim, de graça, como eu tô começando a tentar fazer. Te cuida - guardou a maquiagem de volta na bolsa e saiu andando sem olhar pra trás.

3 comentários:

  1. Eu acho que já disse isso aqui, Luísa, mas sabe quando algo é tão bonito que não dá vontade de falar nada, apenas de apreciar? Teu texto é assim.

    Eu adorei a forma como costurou as etapas da maquiagem com as meias verdades que foram sendo ditas e também as definições precisas de paixão, amizade e amor.

    Bom demais, dá gosto de ler. Parabéns!

    Um beijo.

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  2. É só aprender a lidar com isso e tudo fica mais fácil, sem falsas promessas e orgulhos dolorosos. É só saber colocar cada um no lugar que cativou, sem levar em conta sentimentos. A sensação de ser boba quando o orgulho não falha se perde na certeza da consciencia tranquila.

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Obrigada pelo comentário! Vou ler, e depois publico e respondo, ta?