Como vai a viagem? Esse mundo ainda te dá muito trabalho? Tenho andado tão presa aos teus filhos que quase me esqueci de te escrever. Me desculpa? Teu primogênito, o amor-com-letra-minúscula, por exemplo, não me sai da cabeça. Você sabe como eu comecei a gostar dele a partir do momento que a tua irmã gêmea – a Amizade – nos apresentou. É exatamente sobre ele que eu quero lhe falar.
Passei muito tempo da minha vida olhando-o de longe o julgando erroneamente. Questionei sua sinceridade. Mas percebi a tempo o quão verdadeiro e vital ele é pra mim. E fomos muito felizes juntos!
Um dia, ele foi embora com o Medo, e eu achei que nunca mais o veria. Mas ele reapareceu, alguns meses depois, mais lindo que nunca. Parecia outra pessoa! Disse que conheceu um tal de Tempo, e que o Tempo lhe fez bem. Deu-lhe cheiro e gosto de perfeição. E deu-me vontade infinita de viver ao seu lado para sempre – coisa que eu nunca havia sentido antes.
Ele me acordava todos os dias com um raio de luz que roubava do sol só pra me dar. E me dava colo todas as noites, e seu colo me fazia dormir em paz. Estava tudo indo tão bem... Até que parou de estar. O Medo teve a petulância de bater à nossa porta. Disse que fora abandonado, e que isso não era justo. Trouxe consigo mais dois amigos que largaram suas malas no meio da sala e se jogaram no meu sofá, bagunçando tudo. Fui pedir pro amor dar um jeito naquela situação, mas ele não quis mais saber de mim! Fugiu com o Medo, o Ciúme e a Raiva.
Foi aí que a sua menorzinha, a Saudade, se compadeceu de me ver triste e veio morar comigo. Amor, você precisa ver como ela está crescendo! Vai ser uma mulher linda e saudável, cheia de poesia e felicidade – embora fique triste com freqüência. Ela sempre me pede mil perdões por não conseguir me deixar feliz, embora tenha vindo morar comigo com este objetivo. Mas eu entendo a situação dela. Meu sentimento pelo amor parece contagioso! E eu prefiro que ela continue aqui comigo. Essa casa sem a Saudade dá vontade de chorar. E eu não quero chorar. Nós temos conseguido nos divertir bastante, afinal. Não é o que eu chamaria de felicidade, mas a alegria, de vez em quando, invade nosso quintal. Ela tem um quê de pessimismo otimista (ou otimismo pessimista) e sempre que me percebe triste, me lança um clichê do tipo “não fique triste porque acabou, fique feliz porque aconteceu”. E nós rimos juntas, fazemos brigadeiro, e vamos ouvir música alta pra espantar o que há de ruim. Ela me apresentou um amigo que atende pelo estranho nome de Libido, e de vez em quando a gente sai. Ele é legal, e tal, mas você entende. Não é o amor. Não é o que eu quero.
Eu sei o que você vai dizer. Se ele foi embora uma vez e voltou, é claro que vai voltar mais uma vez. Parecendo até, quem sabe, uma outra pessoa ainda mais linda e com ainda mais cheiro e gosto de perfeição. Mas aí é que está, Amor. Eu não quero mais lindeza nem mais perfeição. Eu quero o amor do jeito que ele é, do jeito que ele se mostrou pra mim naquele dia em que largou o Medo por minha causa. E se for pra mudar, quero que ele mude do meu lado, e que eu mude junto, e a gente cresça junto. E se ele precisar do Tempo, que seja! Mas que me dê alguma garantia de que ainda vai voltar a ser só meu.
Fala com ele, Amor? Por mim. E por ele, também! Mesmo que ele não queira nunca mais vir morar comigo – coisa que eu não gosto nem de pensar – fala pra ele não andar mais com o Medo. Aquele lá não faz bem pra ninguém.
A Saudade disse que conheceu o Tempo, disse que ele costumava freqüentar a sua casa à época que acompanhava o amor. Se você tiver contato com o Tempo, peça para ele procurar o amor. Talvez o amor, o Tempo e a Amizade juntos consigam alcançar o seu nível de nobreza. O mesmo nível de nobreza que eu espero alcançar um dia. Preciso deles comigo. Preciso de você comigo. Pensa nisso, por favor?
Saudade te mandou um beijo no nariz, eu te mando um na bochecha.
Sem amor,
Luísa.