Sala vazia, e ela estava sentada na cadeira do professor. Concentradíssima em sua leitura, fazia hora para a aula começar. Gostava de ler em voz alta quando não havia ninguém por perto. Sentia que cada palavra ganhava vida ao ser proferida em alto e bom som. As palavras eram tocadas por seus olhos, decifradas por seu cérebro e, uma vez trazidas ao mundo pela sua voz, reverberavam pelo chão, abalando de forma quase sísmica a energia do lugar.
Ele passou direto por aquela sala. Estava com pressa, mesmo tendo tempo de sobra. Foi quando ouviu uma voz recitando poesias. Engoliu sua pressa e deu três passos para trás. Permaneceu parado por alguns instantes e, instintivamente, entrou na sala.
- Com licença - disse, como um despertador, acordando a menina de seu sonho.
- Toda - respondeu-lhe, fechando o livro e repousando-o sobre a mesa.
- Bilac? - observou o menino, esticando os olhos sobre o livro.
- É... - confirmou, num sorriso sem graça e recíproco.
- Cê sabe que Via Láctea é a única coisa boa dele, né?
- Não é verdade! Essa antologia é muito boa. As pessoas são muito preconceituosas com parnasianismo - disse, desolada.
- Parnasianismo é chato - provocou.
- Chato é quem não gosta de parnasianismo - retrucou, sapeca.
Ambos sorriram. Presentearam-se, naquele instante, pela primeira vez. Cada um deu de presente ao outro seu sorriso rasgado mais bonito e mais espontâneo. Ele apoiou a mochila numa das carteiras e sentou na mesa do professor, ficando cara a cara com a menina. Falaram de literatura até não poder mais. Falaram de música até poder pra sempre. Trocaram diversos sorrisos bobos. Num dado momento, um cílio caiu de um dos olhos do menino e pousou em sua bochecha.
- Com licença - disse-lhe a menina, como um despertador, acordando o menino de seu sonho. Quanto tempo eles teriam ficado conversando?
- Toda - respondeu, observando-a equilibrar o cílio cuidadosamente sobre seu dedo.
- Faz um pedido - o menino uniu seu dedo ao dela, e, ao afastá-lo, levou consigo seu próprio cílio - Seu pedido vai ser realizar - disse a menina, desviando seu olhar para o chão.
- Vai? - perguntou-lhe, enquanto puxava o rosto da menina para o seu campo de visão.
- Vai - disse-lhe, sorrindo. E portava no olhar uma malícia da qual não se sabia dona. Beijaram-se longamente.
- Com licença - disse uma voz vinda da porta da sala. Um grupo de alunos também havia chegado mais cedo para a aula.
- Toda - disseram em uníssono, com um sorriso bobo em cada rosto, antes de pegarem suas coisas e saírem, de mãos dadas, pelo corredor.