terça-feira, 19 de novembro de 2013

Meu amor vulgar

   Você extrai de mim meu sujo. Meu all star velho, meu jeans surrado. Aliás, jeans não, porque você me liberta tanto que conclui que jeans me aperta e que, por isso, não me é útil. Você extrai de mim minha calça sarouel, meu body de lycra, meu chinelo, meu pé no chão. Meu vulgar, meu torto, meu feio, minha cara limpa. E, despida de brilhos e paetês, me sinto de vestido longo, salto alto e batom vermelho. Me sinto sempre admirada. Desejada. Querida.
  Nua, me sinto cravejada de diamantes por todo o corpo. Mas estou cravejada de amor - do TEU amor, que faz tudo mais bonito.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

areal

"castelo de areia que o mar leva embora
é a vida" - dizia a menina que chora
enorme tristeza trazia em si
quando descobriu que se deixou trair

vai mentir assim lá na China
vai mentir assim lá na China
não sou teu brinquedo, já fui tua menina
não sou de brinquedo, já fui pequenina

sambando na areia a menina disfarça
o rubor que vem do gracejo que passa
junto ao menino que o proferiu:
"sereia mais linda que a areia já viu"

vai mentir assim lá em casa
vai mentir assim lá em casa
tristeza de amor é coisa que passa
quero um novo amor, voltar a ter asa

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A flexão do eu (ou "A flexão doeu")

Para Vanessa, Sandra, Anderson, Azeredo e todas as suas aulas apaixonadas e apaixonantes.

Aula de língua portuguesa. Tópico: diferenciar morfologia (que é aquela coisa que estuda como as palavras se formam) lexical, nominal e flexional. Meu professor explicava que para perceber de qual processo de formação provém determinada palavra, existem alguns detalhes aos quais vale a pena estar atento.

Falando sobre morfologia flexional, disse que só se trata desta “quando a forma da palavra se altera para a expressão das categorias obrigatórias”. Quer dizer: “quando as alterações são passíveis de serem enquadradas em regras gerais, em mecanismos sistemáticos”, são o objeto da morfologia flexional. O professor pôs-se a falar do que não era flexional, para que pudéssemos entender melhor.

Os artigos e pronomes, como em seu exemplo, são classes de palavras que variam em gênero e número. Morfologia nominal, e não flexional, já que suas “flexões” não são enquadráveis em regras gerais. “Ele”, por exemplo, se converte em “o” (assim como “ela” em “a”), mas não existe uma regra geral que explique ou defina essa alteração. “Eu”, continuou o professor, se converte em “me” ou em “mim”, e tampouco existe uma regra que enquadre essa flexão.

“Eu não tenho uma regra para transformar ‘eu’ em ‘mim’”. Quando ouvi isso, o tempo parou. Lembrei daquele poema do Leminski que diz que “isso de ser exatamente o que se é vai nos levar além”. Assim: sem regras. Assim: sem querer ser qualquer coisa que não seja ser a si mesmo.

Quando o professor falou sobre “a flexão do eu”, ri comigo mesma. Pensei, bobamente: “a flexão doeu”. Só que a flexão do eu, em mim, não me doeu coisa nenhuma, justamente porque não existiram regras nesse processo que gerou as alterações necessárias para que eu me virasse... Para que eu me virasse do jeito que pudesse, me virasse do avesso e, do avesso, saindo de mim, me tornasse eu – exatamente quem eu sou hoje (e hoje, finalmente, sou eu mesma).

Lembrei também de “preciso mudar. Ainda não sou eu”. E então me lembrei que a tentativa da flexão do “eu” em “mim” já doeu um dia. 

Doeu. Em mim. Um dia. 

Mas, uma vez que me despi da querência de normas, a dor cessou. Fui livre e me virei. Virei eu e fiquei livre para sempre. 

A flexão do eu (em mim) doía... Já parou de doer faz tempo. Doía porque eu queria ser flexional – me encaixar em um conjunto de regras gerais, fazer parte das categorias obrigatórias. Por muito tempo fui a própria flexão do “ia”. Não era: almejava ser. Nunca tinha sabido o que era ser mais que “quase”. Mas já faz tempo que me livrei da flexão do “ia”. Doía demais... Me converti em mim e só precisei não ter regras para isso.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Uma quimera: gritar o amor

Hoje, ao final da aula, um aluno (que já cansou de dar em cima de mim) me perguntou:
-P'fessora, a senhora tem namorado?
E eu disse, num tom extrovertido, sem pestanejar:
- Sim, senhor! - o que gerou certa balbúrdia entre os colegas.
Mas não tenho um namorado, substantivo masculino, apesar da aliança no meu dedo - tenho namoradA, substantivo feminino. Mas não banco dizer isso numa turma de 9º ano que nem é minha: sou uma reles bolsista de iniciação à docência. Além disso, respondi ao menino o que ele queria saber: eu namoro.

Dentro da nossa cultura, isso significa "estou numa relação monogâmica com alguém". Não é obrigatoriedade do verbo "namoro" indicar uma relação homo ou heterossexual. Mas me entristece não me sentir confortável para dizer em alta voz que "não: eu tenho namoradA". E me entristece porque essa falta de conforto vem de uma incompreensão sem fim sobre esse tipo de relação (homo) sedimentada na nossa cultura.

Por outro lado, me conforta estudar Letras e concluir, verborragicamente, que não menti ao menino. Afinal, eu tenho namorado, sim. No pretérito perfeito (e bota perfeito nisso!) composto do indicativo, eu tenho namorado - e muito! - a minha namorada, a quem eu tanto amo.


Meu amor é uma menina.
Minha menina é um moleque.
Meu moleque é uma mulher.
Minha mulher é um amor
- MEU amor.

Beijitos,
Lu