Clube de Leitura e Escrita Criativas
uma postagem sobre o tema "Insólito"
uma postagem sobre o tema "Insólito"
Fala-se em demasia sobre o cheiro dos livros novos. Ah, o
cheiro do novo! Ah, o cheiro do prazer de adicionar algo novo a uma estante de
velharias! Renova-se – diz-se – toda a vida!
Pois sim!
Duvido da graça do cheiro dos livros novos. Aqueles livros
com cheiro de plástico, cheiro de quilometragem zerada, cheiro de páginas sem
orelhas, sem rabiscos, impressões, anotações e lagriminhas derramadas à meia
luz de uma noite insone. Um papel que seria inteiramente branco não fosse a
presença daquelas letrinhas feitas de tinta prensada contra o papel.
Mais vale o cheiro dos livros velhos! Aqueles livros de
edições tão antigas que os avós de nossos avós devem ter visto nas vitrines.
Aqueles de páginas já amareladas, nas quais estão impregnadas histórias das
mais variadas... Muito mais histórias do que um único livro seria capaz de
abarcar sendo só um livro intocado (porque o que faz de um livro um livro é a
leitura – não o formato).
Aqueles livros que foram entregues ao sebo como crianças
entregues a um orfanato. Livros abandonados, solitários na fila de espera por
um leitor novo com cheiro de alguns quilômetros de história já rodados, mas com
disposição o suficiente para rodar muitos outros, no plano do fictício e do
real.
Aqueles livros que custam cinco reais nas deliciosas feiras
itinerantes. Livros temporariamente órfãos porque uma mãe solteira precisava de
grana pra botar comida na mesa e vendeu sua coleção – imagine só: há gerações
na família! - de clássicos nacionais. Capa dura, vermelha. Título escrito em
dourado. Livros desprovidos de dono porque um jovem interiorano quis tentar a vida
no Rio de Janeiro e largou seu On The Road nas proximidades da rodoviária pra
ser de alguém que precisasse lê-lo. Porque uma moça perdeu seu amor pra morte e
nunca mais suportou ler Cyrano de Bergerac.
Ninguém se despede de um livro sem dor, ainda que não se dê
conta da dor que abriga.
Ninguém adquire um livro que não seja novo, mesmo que o
adquira já velho de guerra.
Ninguém adquire um livro sem se renovar um pouco (ou sem renovar
um pouco o próprio livro), mesmo que o livro já exista há mil milênios.
Ninguém deixa de envelhecer - pasme! - ao comprar um livro novo em folha.
Mas um livro que já teve outro(s) dono(s), por trazer em si o
triplo de histórias, dá a cada palavra mais mil possibilidades de significado
do que o usual.
Livro usado tem cheiro de história vivida - o que, de maneira alguma, impede as histórias ainda por viver.