sábado, 7 de setembro de 2013

Discordo (de mim)!

Dia desses enviei umas fotos e minhas medidas para uma agência. Nunca quis ser modelo, mas essas agências podem ser úteis para encaminhar atores à mídias onde tais atores tenham mais voz. O fato é que fui chamada para uma avaliação. No lugar, o cara que me avaliou disse que meu rosto é bonito, mas que eu teria que "secar". Segundo ele, barriga e quadril. Chamei mamãe pra me acompanhar e, ao ouvir isso, ela disse: 
- Quadril é genético, não dá pra diminuir - em tom de brincadeira. E o cara:
- Ah, dá sim. É só querer. 

Por fim, me aconselhou a investir em um videobook. Me deu seu cartão e ficou subentendido que, quando secasse, lhe enviasse o videobook e todas as fotos que tivesse. E que providenciasse meu DRT.

Caro leitor anônimo, sou magra. Não magérrima, mas magra. É certo que ganhei cerca de oito quilos nos últimos cinco meses (segundo minha melhor amiga, "namorar engorda, mesmo"), mas nada que comprometa minha saúde ou nem mesmo que me torne gorda, no sentido mais babaca da palavra. Quando mais nova, passei por um distúrbio alimentar e, ao início desse ano, quando tinha cerca de oito quilos a menos, meu corpo parecia o corpo que tinha quando estive anoréxica. Eu parecia doente, e talvez estivesse, mesmo - aquela ressaca amorosa não foi fácil! 

Já sã, engordei para poder doar sangue e "esqueci" de desengordar. Não me preocupei, na verdade. Engordei mais uns quilos além do que precisava pra doar sangue, e não liguei. A anorexia saiu de mim, definitivamente - e afirmo isso com certeza e com orgulho. Doei sangue e não quero voltar a ter menos de 50 quilos. Quero doar sangue mais e mais vezes. Quero me afastar mais e mais da doença.

A questão são as ideologias que divergem dentro da minha própria cabeça. De um lado, entoo mantras e busco praticar o desapego material, me cuidar em corpo, mente e espírito, trabalho para destruir meu ego e as ilusões que vem com ele no pacote. Desse lado, tenho consciência de toda a Maya - de toda a mentira que maquiagem, photoshop, roupas, plumas e paetês criam. E nossos olhos creem, numa ingênua soberba, num mundo aparente feito todo de mentiras.

Do outro lado de mim, entretanto, há uma seção do teatro e de toda arte, de todo palco, que mexe com o meu ego. O mesmo ego que busco destruir dia após dia, rumo à evolução que acredito existir. Imagine como a televisão e tudo o mais não iria mexer!

Disse o moço que eu deveria secar porque tv engorda. E isso é verdade, mesmo. Já me vi em filmagens e sei que sou mais magra do que a tela exibe. Sobre isso, pensei: mas e daí? Quer dizer, e daí se engorda? Qual o problema de não ser esquelético? Qual o problema em ter carne no corpo? Não é esse o normal? Entrar nesse mundo é compactuar com tudo o que eu discordo do sistema. É compactuar com tudo o que um dia me deixou doente. Abaixo de um peso saudável de tão doente.

Suponha-se o seguinte: eu seco os quilos que o homem me aconselhou a secar, sumo com a minha barriga, deixo minha perna dura e meu rosto mais fino. Providencio um videobook, e, com alguma sorte, meu drt e envio-lhe todo meu material ao cara. Sou chamada para uma audição para uma novela na tv. Passo. Ganho o papel, contatos, experiência e uma grana boa. 

Aí, um dia, uma menina de 12 anos, certa de que seus pais não a entendem, cansada dos colegas de escola, insegura de seu potencial liga a tv. Me vê em cena super maquiada, numa roupa caríssima que a emissora enfiou em mim e me admira, sem saber que admira minha personagem, e se entristece, por não ser tão magra, não ter roupas tão legais, não estar tão feliz. Mal sabe ela que, justo naquele dia, eu estava super mal humorada e perdi minha aula favorita na faculdade pra gravar. Mal sabe ela que eu tive que emagrecer pra estar ali e o processo foi sofrido e não me deixou feliz. Mal sabe ela que, por baixo da maquiagem, minha cara é de doente. Acaba a novela e ficam só as inseguranças da menina. E as minhas.

Não é essa a função da arte, sabe? Nem é isso que quero levar pras pessoas. Quero levar o contrário! Quero levar "dá pra ser diferente". Quero levar paz. Quero levar "vamos subverter os conceitos de beleza!". 

Mas não sou ninguém de mais. Quer dizer... Não falo para um contingente considerável de pessoas. Não é como se alguém estivesse me ouvindo. Eu to sozinha. E quero um megafone.

Mas até esse texto aqui, por ser relativamente longo, não vai chegar a muitos olhos.
Eu to sozinha. Tem vários sozinhos iguais a mim. Nossos ideais se perdem em nós mesmos.

Um comentário:

  1. Só digo uma coisa: Você está no caminho certo, e muita gente ao ler esse texto pôde refletir naquilo que nunca refletira, Parabéns por conseguir sair da Anorexia!

    www.allanpenteado.blogspot.com.br

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Obrigada pelo comentário! Vou ler, e depois publico e respondo, ta?