Lembro nitidamente de uma
entrevista do Oswaldo Montenegro pro Jô na qual o Oswaldo dizia que foi
maravilhoso pintar todo o apartamento dele como se as paredes fossem telas.
Maravilhoso porque, não sendo ele pintor – compositor, músico, poeta, diretor e
ator, sim. Mas pintor, não -, ele não tinha nenhuma obrigação de pintar aquelas
paredes com qualquer técnica. Não havia a menor exigência de que aquilo fosse
esteticamente perfeito ou rendesse bons elogios vindos de críticos de arte
entendidos. Era para ele, e mais ninguém – exceto, talvez, para alguns poucos
corações sensíveis demais.
Mas a arte que nasce
despretensiosa voa alto – “voa, condor, que a gente voa atrás...”.
Por isso, mesmo não sendo eu
pintora, colori toda uma parede do meu quarto com tintas e palavras que me
transmutam, sob inspiração absoluta desse (super) homem chamado Oswaldo
Montenegro. Foi um dos caras que mais me ensinou sobre o porquê das minhas
pretensões artísticas. Quase ia me esquecendo...
Canto porque quando canto(,) pra
mim(,) o tempo para, a gravidade some, o mundo é bom. Poderia ficar muito tempo
tentando explicar o que sinto quando canto, mas não adiantaria, então paro por
aqui.
Atuo porque o teatro é um deus
benevolente que permite a nós, atores, através da experiência de sermos outras
pessoas, descobrirmos um universo inteiro sobre nós mesmos. Atuo porque
aprender a viver sem a ajuda de personagens é solitário e doloroso por nada.
Atuo porque assistir teatro já me tornou alguém melhor, e tomo por obrigação a
responsabilidade de multiplicar essa melhora em mim e em terceiros. Atuo porque
sou viciada em emprestar meu corpo para almas de papel.
Escrevo porque muitas vezes quero
dizer muitas coisas a muita gente, mas não posso, porque essas pessoas não sabem
que eu existo, ou me conhecem, mas não tem tempo pra conversar por mais de meia
hora, ou me conhecem e não gostam de mim – e talvez sejam essas a quem eu mais
quero me fazer ouvir.
Esse texto é para alcançar uma
dessas pessoas. E a mim, porque, tem certas coisas, que a gente tem que se
lembrar, de vez em quando. A hora é essa.
Danço (mesmo que loucamente e
sozinha no meu quarto, em ritual, ou ébria numa festa com amigos, ou na
apresentação de meio de ano da escola de dança) porque quando danço sinto o corpo.
E sei que estou viva. É claro: sei que estou viva porque penso, respiro, ando,
sinto fome, etc. Mas quando danço, é como se meu corpo despertasse do sono
profundo ao qual a rotina nos submete. Danço porque quando danço me esqueço do
tempo em que me recusei a dançar. Danço porque isso me prova que deuses
existem. Porque eu suo, meu coração acelera, e meu olho brilha mais. Danço para
me por em comunhão comigo mesma.
Danço porque não sei dançar. E
porque, por não saber, sinto vergonha quando me veem dançando. Mas se sou capaz
de passar por cima dessa vergonha e dançar, desavergonhadamente não sabendo, a
dança torna-se de um prazer indescritível: um prazer que só conhece quem mata o
medo do ridículo. Danço porque, por não saber dançar, não preciso dançar bem.
E não ter obrigação de fazer bem
alguma coisa é absolutamente libertador.
Agir sob esse raciocínio é premissa para ignorar completamente a ambição que nosso ego nos sugere. O que, por sua vez, é premissa para ser um poço de gratidão. O que, por fim, é premissa para ser feliz de fato.
Hoje, anoiteceu em mim. Mas tem
uma lua cheia aqui dentro iluminando tudo e dizendo, incessantemente, que é claro,
como o próprio sol, que o sol vai voltar amanhã.
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ResponderExcluirNão sei se já comentei, mas sua voz é muito linda!
ResponderExcluirSobre dançar, eu morro de vergonha de dançar, exatamente porque nao sei e me sinto sempre tao ridícula! Mas queria muito perder essa vergonha, admiro pessoas que dançam sem se importar com nada.