sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Noite de lua cheia em mim

Lembro nitidamente de uma entrevista do Oswaldo Montenegro pro Jô na qual o Oswaldo dizia que foi maravilhoso pintar todo o apartamento dele como se as paredes fossem telas. Maravilhoso porque, não sendo ele pintor – compositor, músico, poeta, diretor e ator, sim. Mas pintor, não -, ele não tinha nenhuma obrigação de pintar aquelas paredes com qualquer técnica. Não havia a menor exigência de que aquilo fosse esteticamente perfeito ou rendesse bons elogios vindos de críticos de arte entendidos. Era para ele, e mais ninguém – exceto, talvez, para alguns poucos corações sensíveis demais.

Mas a arte que nasce despretensiosa voa alto – “voa, condor, que a gente voa atrás...”.

Por isso, mesmo não sendo eu pintora, colori toda uma parede do meu quarto com tintas e palavras que me transmutam, sob inspiração absoluta desse (super) homem chamado Oswaldo Montenegro. Foi um dos caras que mais me ensinou sobre o porquê das minhas pretensões artísticas. Quase ia me esquecendo...

Canto porque quando canto(,) pra mim(,) o tempo para, a gravidade some, o mundo é bom. Poderia ficar muito tempo tentando explicar o que sinto quando canto, mas não adiantaria, então paro por aqui.

Atuo porque o teatro é um deus benevolente que permite a nós, atores, através da experiência de sermos outras pessoas, descobrirmos um universo inteiro sobre nós mesmos. Atuo porque aprender a viver sem a ajuda de personagens é solitário e doloroso por nada. Atuo porque assistir teatro já me tornou alguém melhor, e tomo por obrigação a responsabilidade de multiplicar essa melhora em mim e em terceiros. Atuo porque sou viciada em emprestar meu corpo para almas de papel.

Escrevo porque muitas vezes quero dizer muitas coisas a muita gente, mas não posso, porque essas pessoas não sabem que eu existo, ou me conhecem, mas não tem tempo pra conversar por mais de meia hora, ou me conhecem e não gostam de mim – e talvez sejam essas a quem eu mais quero me fazer ouvir.
Esse texto é para alcançar uma dessas pessoas. E a mim, porque, tem certas coisas, que a gente tem que se lembrar, de vez em quando. A hora é essa.

Danço (mesmo que loucamente e sozinha no meu quarto, em ritual, ou ébria numa festa com amigos, ou na apresentação de meio de ano da escola de dança) porque quando danço sinto o corpo. E sei que estou viva. É claro: sei que estou viva porque penso, respiro, ando, sinto fome, etc. Mas quando danço, é como se meu corpo despertasse do sono profundo ao qual a rotina nos submete. Danço porque quando danço me esqueço do tempo em que me recusei a dançar. Danço porque isso me prova que deuses existem. Porque eu suo, meu coração acelera, e meu olho brilha mais. Danço para me por em comunhão comigo mesma.

Danço porque não sei dançar. E porque, por não saber, sinto vergonha quando me veem dançando. Mas se sou capaz de passar por cima dessa vergonha e dançar, desavergonhadamente não sabendo, a dança torna-se de um prazer indescritível: um prazer que só conhece quem mata o medo do ridículo. Danço porque, por não saber dançar, não preciso dançar bem.

E não ter obrigação de fazer bem alguma coisa é absolutamente libertador.

Agir sob esse raciocínio é premissa para ignorar completamente a ambição que nosso ego nos sugere. O que, por sua vez, é premissa para ser um poço de gratidão. O que, por fim, é premissa para ser feliz de fato.

Hoje, anoiteceu em mim. Mas tem uma lua cheia aqui dentro iluminando tudo e dizendo, incessantemente, que é claro, como o próprio sol, que o sol vai voltar amanhã.


2 comentários:

  1. Não sei se já comentei, mas sua voz é muito linda!
    Sobre dançar, eu morro de vergonha de dançar, exatamente porque nao sei e me sinto sempre tao ridícula! Mas queria muito perder essa vergonha, admiro pessoas que dançam sem se importar com nada.

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Obrigada pelo comentário! Vou ler, e depois publico e respondo, ta?