domingo, 3 de junho de 2012

Lá vai fumaça

   Ele imitava com a boca os primeiros acordes da música enquanto segurava tortamente o violão, brincando de saber tocar e cantar. "Não chore não, vou cantar pra você", e sorriu um sorriso lindo. Porque ela haveria de chorar? Aquela falta total de talento pra música não o impedia de cantar, e isso a fazia sorrir com a alma. Aquela presença total de talento para um beijo morno e firme a fazia sorrir com o corpo. Ela voltou pra casa pensando em como não era "a mais bonita, a joia perfeita", mas feliz por ter ouvido aquele tanto.
   Com o tempo, de "anjo do céu" a menina virou "bonita", enquanto o menino previa, com bastante poesia, que aquilo ali teria um fim proximamente. Não era difícil de prever, afinal, a menina tinha "esse ar distante assim". Mas é claro que alguém que não tem medo de cantar mesmo sem saber cantar, não tem medo de se declarar mesmo sem saber reciprocidade. "Eu não acredito". Foi exatamente assim que ela respondeu àquele precoce "eu amo você". Não quis com isso dizer que não acreditava no amor dele por ela, e sim que não acreditava no amor por si só. Pode parecer cruel, mas sua resposta foi sincera, e não teve intenção de ser pedra. Mas o fato é que foi, mesmo, uma pedra que lançada na cara do menino, e ele não saberia responder de outra forma que não com poesia. E foi aí que a menina ouviu os versos que a atormentariam pelo resto da vida: "verdes sem esperança, que davam amor sem amar". Como podia alguém dar amor sem amar? Como podia alguém ser entregue sem se entregar? Como ela podia existir, como? Como, se a sua existência e a sua personalidade desafiavam as leis da lógica? Como podia aquela maldição em forma de poesia se encaixar tanto àquela situação? Como podia aquele dia ainda estar tão preso à memória daquela menina tanto tempo depois? Como podia a cabeça da menina ter mudado tanto? "O pior disso tudo", disse o menino, "é que você não fere ninguém de propósito. É natural. Talvez até seja essa a sua missão nesse mundo". Ela o fitou naquele momento. "Fazer os outros crescerem através da dor", completou. "Eu não quero ver você nunca mais", cuspiu palavras a menina. "Você não vai. Pode ter certeza", retrucaram os olhos tristes do menino. E, de fato, os dois nunca mais se viram.
    Porque pensar nisso tanto tempo depois? Ah, a ida fase ultrarromântica daquela menina parecia ter voltado com tudo, fazendo passar um furacão na sua vida. Ela sentou em sua janela, como de costume, e olhou o céu, esperando o condor.

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