Acho que ontem sofri catarse vendo Cazuza.
Obviamente, não o cantor. Mas o espetáculo (maravilhosamente) dirigido por João Fonseca que teria me deixado rigorosamente semelhante a um urso panda caso eu não fosse meticulosa na hora de comprar um bom rímel à prova d'água. Chorei copiosamente a peça inteira.
No início, confesso, fiquei um pouco triste porque já tinha decidido invadir o camarim e declarar minha tietagem ao Emilio Dantas. Só que não foi ele que fez o Cazuza ontem. Confesso: não me lembro o nome do moço que fez. Vi de relance num papel grudado à porta do Theatro Net Rio: Bruno-alguma-coisa. Seja qual for o sobrenome, o cara DES-TRU-IU. A semelhança da voz e dos trejeitos era algo de impressionar. Digo o mesmo sobre os atores que encarnaram o Ney Matogrosso e o Frejat.
Não me lembro de ter purgado tanta coisa desde que assisti Valente, aquela animação da Disney sobre uma princesa ruiva que não quer se casar. Favor não me julgar. Grata.
Juntei tanta coisa... Juntei a minha própria vida com a vida daquele cara que deixou tantas músicas lindas pra gente se embalar no próprio colo. Juntei o texto em que Bordieu fala sobre capital cultural e sobre como as escolas acabam sendo o lugar responsável por manter (e aumentar!) desigualdades sociais embora se proponham a ser o avesso disso à minha indignação acomodada quanto aos preços muy salgados do teatro musical (e da arte em geral) que se faz no Brasil.
Juntei a explicação do Boal no "Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas" sobre como e porque a tragédia grega provoca catarse à tudo o que eu senti na pele: a harmatia (única impureza do herói trágico) do Cazuza - aquele instinto auto-destrutivo que ele trazia em si -, anagnorisis (quando o herói admite sua impureza a fim de que o público o perdoe) - para mim, foi quando Cazuza disse que o único mal que ele pode causar é a ele mesmo. E que o sex and drive dele não tem nenhum rock'n'roll. A gente se compadece de uma forma indescritível. E isso tudo, é claro, graças à empatia, a identificação absoluta, o se por no lugar do personagem, o dar-se conta de que tudo aquilo poderia acontecer consigo próprio pelo simples fato de tudo ser tão verossímil (afinal, ali é baseado em vida real: não se trata de ficção) e sermos todos humanos.
Juntei o que um professor de Teoria da Literatura disse uma vez - "a gente é muito esquisito. Passa perfume, sai de casa, senta numa poltrona e fica assistindo pessoas que a gente nem conhece dizerem coisas que foram ensaiadas e ainda aplaude no final pra mostrar que gostou" - com toda a fé que eu deposito na capacidade da arte de transformar vidas e mundos.
Sabe, a vida, no final das contas, é uma merda. A gente ta vulnerável à doenças, vícios, caminhos tortuosos, desafios intransponíveis, obstáculos barrando nossos sonhos, preconceitos, grosserias, humilhações, inseguranças e ignorância. Mas se refizermos as contas com calma, até que dá para levar tudo numa boa, dependendo da ótica que você escolher para enxergar a vida.
Juntei o fim do meu namoro - ferida ainda com um pedacinho resistindo em carne viva - com meus pés melados de água salgada e areia numa fuga ilícita e não planejada à praia. Me juntei com o mar, com a lua quase cheia e as poucas estrelas que a poluição me deixa ver. Lembrei de amores antigos, lembrei de possíveis novos amores, lembrei da minha infância e do meu futuro.
E no fim, tive aquela sensação maravilhosa de estar no caminho certo.
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