O amor começa. No meio fio, por exemplo, numa terça feira de sol escaldante, depois de uma aula de teatro e algum debate; começa em cafés ajeitadinhos, diferentes das praças tão bucólicas nas quais termina; lentamente, no meio do cigarro que ele traga ou que ela esmaga no cinzeiro, repleta de “isso vai te fazer mal”; na doçura da aurora tropical, depois de uma noite votada à alegria que veio pra ficar; e começa o amor no enlace das mãos já na fila do cinema, antes mesmo de o filme começar, porque as mãos sabem dos começos antes mesmo de eles começarem; na insônia dos braços luminosos de um envolvendo o outro; e começa nas sorveterias, com as caldas de chocolate sujando os dedos, as bocas, as roupas; mecanicamente no elevador que para, como se a queda de energia dissesse “beijem-se!” a um tímido quase casal; na epifania da lindíssima pretensão dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma decide desbravar as províncias da Ásia, onde o amor não pode ser nada além de amor, o amor pode começar; na necessidade da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles salvadores de água de coco à beira do mar; no filho tantas vezes semeado, quase vingado por alguns dias, mas que ainda não floresceu, abrindo páginas de possibilidades a serem escritas entre as cores e o bom cheiro de uma só flor; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que encanto; e o amor começa na purpurina do carnaval, caindo bem perceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sonho, suor e planos; nos roteiros da vida para a vida, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada, em casinhas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e prossegue; no inferno o amor começa e faz dele o paraíso; na honestidade o amor se aprofunda; em Brasília pode ser umidade; no Rio, vento forte; em Belo Horizonte, maresia; em São Paulo, dolce far niente; uma carta que se decide enviar, e o amor começa; na descontrolada fantasia da libido; às vezes começa na mesma música que começou um outro amor, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e às vezes até começa em ouro e diamantes; e começa nos cruzamentos do trânsito caótico do centro da cidade; começa no coração já tantas vezes remendado, e que o médico sentenciou imprestável para o amor, e começa no longo cantar do galo, que já nem se escuta em meio a tanta buzina – mas começa! Na janela que se abre, na janela que se fecha, às vezes o amor começa sem que ninguém dê nada por ele; uma palavra, às vezes sussurrada, e o amor começa; na verdade; no cheiro das flores roubadas da primavera; no calor tão reclamável do verão; no barulho do pisar em folhas secas de outono; nos abraços obrigatórios ao inverno; em todos os lugares o amor começa; a qualquer hora o amor começa, por qualquer motivo o amor começa; talvez até para um dia acabar e recomeçar de novo em todos os lugares e a qualquer minuto o amor começa.
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Obrigada pelo comentário! Vou ler, e depois publico e respondo, ta?