Isso é insano.
A gente lê e não tem tempo de
pensar sobre o que leu: outra leitura me atropela antes que eu pense. Antes que
eu bote o nariz pra fora de casa e diga “ei, estranho! Li um livro muito bom
esses dias, gostaria de te indicar”. E mesmo nas raras vezes que nos obrigamos
a ter esse tempo, dificilmente haverá alguém – estranho ou conhecido – disposto
a jogar umas duas horas “fora” numa conversa sem objetivos.
Para isso, é necessário matar
aula. Dormir tarde. Fazer cara feia pra ninguém chegar perto. Só aí então temos
direito ao silêncio. À solidão saudável. À quietude.
Porque, durante as férias, fins
de semana e feriados, tanta coisa nos obriga a sair de casa e sorrir sem os
olhos, tantas fotos pedem para ser tiradas, tanta felicidade pede para ser
exibida, tantas risadas precisam sair de nós depois de um longo período
estudando num sistema maçante, que não temos tempo de ficar sozinhos. Não temos
tempo de brincar de sério com o espelho. Nem tempo de rir pro espelho, que é o
que torna brincar de sério uma brincadeira.
Só rimos pro espelho pra ver se
fica bem na foto; se fica bem pros outros, olhando, acreditarem que estamos
felizes.
Não temos tempo nem de saber se
estamos felizes!
É insano!
Não posso dizer a quem
eu amo que não quero vê-los no fim de semana sem magoá-los a menos que diga que
vou fazer outra coisa. “Não vou à oficina de teatro porque vou ao piquenique”,
ou “não vou ao piquenique porque tenho que estudar”. Aí sim. É necessário que
me ocupe. Mas ninguém vai ouvir “não vou ao piquenique nem à oficina, e nem vou
estudar porque não consigo. Vou ficar sozinha em casa pensando no que eu quero.
Em quem eu sou. No quanto eu posso. Desculpa, mas fica pra próxima”. Não digo
isso sem ver caras feias. É inconcebível ficar sozinho fazendo nada por escolha
própria.
Porque não estamos acostumados a
pessoas que se sentem bem sozinhas, consigo mesmas. Não tivemos tempo para
acostumar.
É insano ter que escrever quatro
páginas para resumir uma apostila sobre a vida de Durkheim. É insano que eu
seja obrigada e não convencida a ler esse tipo de coisa. É insano porque não é
isso que meus dedos querem escrever. Sociologia da educação é incrível, mas não
é nisso que eu tenho conseguido pensar. O que é insano porque trabalhos têm
prazos de entrega.
É insano que passando do prazo
isso comprometa minha nota, como se um número medisse o valor do meu saber. É
mais insano ainda que sempre tenha sido assim.
Eu quero saber é o que Durkheim
tem a dizer sobre isso tudo.
E isso tudo não tem nada a ver
com facebook nem twitter nem qualquer rede social esquizofrenizante que ainda
venham a inventar. Essas plataformas só pioram o estrago. O vírus ta no seio
dessa sociedade maluca, corrida, que exige que a gente esteja em atividade o
tempo inteiro e permite uma média de seis horas de sono por noite para nos
prepararmos para um mercado de trabalho que muito se assemelha ao inferno.
O problema não ta nem na correria...
O problema ta em como lidamos com ela e em como não lidamos com nós mesmos nem
com os outros.
Quando paramos de nos conhecer?
Será que algum dia já nos conhecemos?
Não sei de muitas coisas.
Só sei que esse texto que eu
acabei de cuspir na cara de quem estiver lendo agora é bem mais sincero do que
o meu trabalho de sociologia.
E eu devo passar com louvor em
sociologia.
Mas não devia. Não tenho coragem de mergulhar na loucura que é essa sociedade. Tampouco tenho coragem de me isolar dela.
E "tudo o que importa" é que eu terminei a prova a tempo.
(Pff).